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sábado, 15 de maio de 2021

“Lava Jato deu esperança de que o Brasil tem jeito e deve resistir”, diz presidente da Frente Contra Corrupção

Em seu primeiro mandato como deputada federal, Adriana Ventura (Novo-SP), professora de empreendedorismo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), liderou, em março de 2019, a criação da Frente Ética Contra a Corrupção (FECC). A entidade vem buscando mobilizar o Congresso Nacional a respeito de pautas que fortaleçam o combate à corrupção – é da deputada o projeto de lei 1485/2020, que duplica as penas por corrupção na calamidade pública.

Por Tiago Cordeiro | Gazeta do Povo

Em abril deste ano, a frente organizou na Câmara dos Deputados o seminário “Lava Jato: a maior operação contra corrupção do mundo”, que rendeu um vídeo em que políticos e membros da sociedade civil expressam seu apoio à Operação Lava Jato.

Na entrevista à Gazeta do Povo, Adriana Ventura faz um balanço da operação, avalia as ações recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e faz o alerta: “A pauta do combate à corrupção precisa ser central no pleito eleitoral do ano que vem”.

Que balanço pode ser feito da operação Lava Jato?

Incontestavelmente, é a maior operação de combate à corrupção da história do Brasil. Os números mostram isso: mais de 70 fases, com 1.343 buscas e apreensões, 130 prisões preventivas, 163 prisões temporárias, 118 denúncias, 500 pessoas acusadas, 52 sentenças e 253 condenações (165 nomes únicos) a 2.286 anos e 7 meses de pena. Partidos de várias ideologias foram investigados. Mais de R$ 6 bilhões foram devolvidos por meio de 185 acordos de colaboração e 14 acordos de leniência, a devolução de cerca de R$ 22,4 bilhões foi ajustada.

Além disso, a operação deu esperança para os brasileiros de que o país pode mudar para melhor, de que o Brasil tem jeito. E fica claro que a Lava Jato deve resistir diante dos ataques que vem sofrendo nos últimos anos.

Ainda existe uma operação Lava Jato, nos moldes do que era antes?

É certo que alguns casos ainda devem ter andamento até o fim deste ano. Mas a incorporação da Lava Jato ao Gaeco significa, na prática, um freio nas investigações e redução do número de procuradores disponíveis. Posso dizer, sem sombra de dúvidas, que a Operação Lava Jato, como a conhecíamos nos anos anteriores, não existe mais. E isso é muito ruim para o Brasil.

A incorporação aos Gaecos enfraquece as investigações?

Pode frear o combate à corrupção, não por culpa do modelo dos Gaecos em si, mas sim pelas tentativas políticas de minar o combate à corrupção. No caso da Lava Jato, houve redução do número de procuradores dedicados. E no momento, o grupo pode não estar devidamente estruturado para dar vazão à complexidade da operação, e não ser capaz de trazer a celeridade necessária. De qualquer forma, é necessário aguardamos o andamento desses grupos. Ainda é cedo para afirmar que os Gaecos não trarão avanços para o combate à corrupção, apesar da clara intenção de fragilizar os esforços neste sentido.

A operação cometeu erros? Se cometeu, esses erros justificam as decisões recentes do STF a respeito da operação?

É impossível que uma operação dessa magnitude tenha sido operacionalizada sem nenhum erro. Entretanto, a narrativa que se constrói é a de que a operação foi ilegal, mal intencionada. Alguns excessos podem ter ocorrido? Não sei. E não é com provas hackeadas e não legítimas que saberemos. Afinal, o laudo da Polícia Federal não foi conclusivo sobre a veracidade das mensagens. A questão é: vamos deslegitimar a maior operação contra a corrupção do mundo por conta de alegações fundadas em provas ilícitas? Não faz sentido. Isto é uma narrativa mentirosa e canalha, que interessa a poucos.

Qual o impacto do questionamento que o STF vem fazendo, tanto da competência de realizar a operação em Curitiba, quanto da declaração de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro?

É um impacto sem precedentes no combate a corrupção no país. A Suprema Corte está em vias de deslegitimar a operação, sem nenhuma responsabilidade com as consequências. E abrindo terríveis precedentes. Do meu ponto de vista, nada justifica as recentes decisões do STF sobre a operação, principalmente no tocante à suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. Estes são os meios para um fim. E o fim é cristalino: desmontar toda a operação. O impacto de toda essa atuação do STF é extremamente negativo. A mensagem que a corte parece passar para toda a sociedade, em última instância, é: no Brasil, o crime compensa.

Que projetos em tramitação no Congresso são os mais importantes para o combate à corrupção?

São muitos, mas é importante focarmos em dois centrais neste momento. A PEC 199/2019, da prisão após condenação em segunda instância. e a PEC 333/2017, do fim do foro privilegiado. A PEC 199, que já tem o relatório pronto, vai permitir que condenação e a execução já possam se dar na segunda instância, porque a interposição de um recurso especial ou extraordinário não vai impedir que já seja declarado o trânsito em julgado da ação.

A PEC também vai ensejar maior segurança jurídica e restaurar a credibilidade do Poder Judiciário perante a população, sem vaivém de infindáveis recursos que ninguém é condenado de fato. Diante disso, a expectativa é que, talvez, vejamos culpados sendo condenados de fato! Estamos lutando arduamente para ver essa matéria ser levada a plenário o mais rápido possível.

Já com relação a PEC 333/2017, popularmente chamada de PEC do fim do foro privilegiado, é outra das pautas essenciais para avançarmos no combate à corrupção. O foro especial por prerrogativa de função surgiu, com a abrangência atual, na Constituição de 1988. Naquele contexto histórico de saída da ditadura, até fazia sentido esta proteção mais para o mandato do que para o mandatário.

Mas, ao invés de proteger o mandato, criou uma categoria de brasileiros para os quais a justiça é mais especial. O que surgiu para garantir a liberdade, a democracia e a Justiça, acabou por garantir a liberdade de um grupo de 58 mil pessoas, o espírito antidemocrático e a desigualdade perante a lei.

Considero que estas duas propostas são os principais marcos no combate à corrupção dentro do Congresso. Mas ainda temos outros projetos em trâmite que também poderão trazer atualizações relevantes para o ordenamento jurídico. São eles a PEC 329/2013, que altera a forma de composição dos Tribunais de Contas, o PL 1485/2020, que prevê dupla pena crimes contra a corrupção, o PL 5612/2020, que tipifica a rachadinha, e o PL 1202/2007, que regulamenta o lobby.

Quais têm maior chance de aprovação?

É certo que há resistência por parte de muitos políticos, o que trava a aprovação desses projetos. De qualquer modo estamos agindo para que a PEC 199 seja finalmente votada na Comissão Especial, e depois seja levado ao plenário. Quanto à PEC 333, solicitei em vários momentos ao presidente da Câmara para pautar a proposta, que já foi aprovada no Senado.

O PL 1485 está no Senado aguardando a pauta. Já reuni mais de uma vez com o presidente daquela casa para pedir a aprovação do PL. Já fizemos vários eventos pela Frente Ética Contra Corrupção, já pedimos e pressionamos aqueles que têm o poder de pautar matérias. A luta contra a corrupção é árdua, e não irei desistir.

Qual a importância da pauta do combate à corrupção para as eleições de 2022?

Altíssima. O que observamos nessa última legislatura, desde o começo de 2019, são vários movimentos de desmonte dos grandes avanços conquistados nos últimos anos no combate à corrupção. Os retrocessos têm acontecido em todos os Poderes. No Judiciário, o desmonte da Lava Jato é o principal marco. No executivo, temos observado uma clara falta de preocupação com o tema.

Aqui dentro do Congresso, vários grupos têm se movimentado para alterar marcos legais importantes, improbidade administrativa, alterações no código de processo penal, mudanças na lei de lavagem do dinheiro, reformas eleitorais, e por aí vai. Diante desse cenário, é essencial que em 2022 a sociedade esteja alerta. A pauta do combate à corrupção precisa ser central no pleito eleitoral do ano que vem, sob a pena de observarmos nos próximos anos um desmonte generalizado de combate à corrupção no Brasil.

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