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quinta-feira, 6 de junho de 2019

Patinetes, poder público e suas relações com o ecossistema de inovação

Na última semana, a Prefeitura de São Paulo com base em um decreto do próprio prefeito Bruno Covas (PSDB), começou a recolher os patinetes elétricos dos apps de micromobilidade urbana das vias da cidade. Esse episódio ficou marcado pelo vídeo amplamente divulgado nas redes sociais, onde funcionários da Prefeitura arremessavam os patinetes elétricos em um caminhão da Prefeitura. De maneira simplista a Prefeitura alegou as empresas de apps de micromobilidade estavam fora das normas, e portanto, teria que apreender os patinetes elétricos.


Sergio Victor* | O Estado de S.Paulo

Quais lições podemos tirar do ocorrido?

Temos três grandes aprendizados: o modo errado do processo regulatório, a premissa equivocada da justificativa técnica para o decreto e a mensagem que o poder público dá ao ecossistema de inovação.

Deputado Estadual Sérgio Victor (NOVO-SP) |  FOTO: ADENIR BRITTO

Em primeiro lugar está claro que a condução do processo regulatório não foi das melhores, uma vez que a Prefeitura impôs as regras do jogo de maneira unilateral. A Prefeitura não enviou ou solicitou discussão de um Projeto de Lei à Câmara Municipal, diminuindo assim o papel do legislativo municipal. Não abriu audiência pública para discutir a situação com a população, com isso desmereceu a opinião de quem usa e de quem não usa o serviço de micromobilidade. E, por último, não envolveu os Apps nas discussões do decreto, mostrando mais uma vez que o intuito não foi o de procurar a melhor solução a população, mas sim de criar regras burocráticas para turbinar a arrecadação e/ou atender grupos de interesse contrários ao serviço de micro mobilidade, como já havia sido feito contra os Apps de transporte privado (Uber, Cabify e 99) em janeiro deste ano.

Entendo que este tipo de postura inflexível não é o melhor modo de construir uma regulação, pois o impacto de uma regulação deve levar em conta sempre os envolvidos (população, poder público e empresas).

Em segundo lugar a premissa utilizada pela Prefeitura é de garantir a segurança dos pedestres. É inegável que uma boa convivência deve ser estimulada e garantida a todos. O bom senso nos leva a respeitar o espaço de cada um e esse deve ser o princípio básico para as regulações de convívio. Entretanto, a Prefeitura, quando impõe que os patinetes devem utilizar as ruas na ocasião em que não houver uma ciclovia disponível, está de maneira irresponsável empurrando os patinetes que tem velocidade média de 20-30 km/h contra carros que andam a 40-50 km/h e que são mais seguros e pesados do que um simples patinete elétrico.

Desse modo, a regulação mal elaborada está atenta ao risco de morte que os usuários de patinetes agora estão sujeitos? Outro questionamento, quais foram os dados reais utilizados de acidentes de usuários de patinete em relação aos pedestres? Não chegamos a encontrar em nenhum órgão a divulgação destes dados e qual a gravidade dos acidentes ocorridos.

Com isso, parece que mais uma vez os bons usuários – que são a grande maioria – estão pagando caro pelo comportamento de uma minoria que desrespeita o espaço do outro. É correto termos mais uma regulação que pune quem está age certo, ao invés de coibir os transgressores da lei? Além disso essa falta de transparência na condução deste processo regulatório abre espaço para questionarmos a real intenção das normas. Estamos melhorando o ambiente de convívio na sociedade ou estamos única e exclusivamente atendendo a grupos de interesse que não estão contentes com as inúmeras alternativas de mobilidade pelas cidades do País?

Por último, quando o poder público evita se relacionar com o ecossistema de inovação, que apesar de iniciante no Brasil, é um setor altamente produtivo, apresentando uma performance muito superior a da economia brasileira nos últimos 5 anos.

Enquanto a economia brasileira sofre para sair da crise, o ecossistema de inovação no Brasil já vale mais de 5 bilhões de dólares (1), valor este em linha com a média de outros ecossistemas mundiais. Temos mais de 12 mil startups mapeadas em todo o território nacional (2) e atingimos em 2019 a expressiva marca de 8 startups unicórnios – empresas iniciantes com valor de avaliação acima de 1 bilhão de dólares – sendo que em 2017 não tínhamos nenhuma.

O Brasil atraiu 56% de toda a captação de investimentos de risco na América Latina em 2018, com 259 investimentos que totalizaram 1,3 bilhão de dólares (3). Ou seja, é nítido a alta capacidade e o amplo reconhecimento internacional das empresas brasileiras de inovações disruptivas, sendo que as mesmas se colocam cada vez mais como uma alternativa real para o aumento da competitividade do País, através do uso de tecnologias de ponta, passando pela capacitação e especialização das pessoas, assim como já ocorre nos países mais desenvolvidos, China ou Índia.

Desse modo, é necessário que o poder público tenha humildade e principalmente uma grande habilidade política de construção de soluções amplas e realistas que levem em consideração: (a) escutar todos os atores envolvidos, (b) o tempo factível para a adoção das regras estipuladas, (c) apresentação de maneira transparente de dados que corroborem as premissas levantadas nas justificativas de uma lei, (d) de estudos que analisem o impacto social e financeiro para TODOS os envolvidos e (e) por último mas não menos importante, os legisladores devem fazer leis sem os velhos vícios corporativistas que barram a inovação e acabam atrasando o nosso país.

(1) Startup Genome global report

(2) ABStartups

(3) Latin America Venture Capital Association

*Sergio Victor é deputado estadual pelo Novo e presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação da Assembleia Legislativa de São Paulo

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