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O ‘cheque em branco’ de Doria

O projeto de ajuste fiscal aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo, em outubro do ano passado, concedeu ao governador, em um de seus mais polêmicos artigos, a competência para aumentar alíquotas relativas ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sem a obrigatoriedade de ter de passar pelo crivo dos deputados da Casa, prerrogativa fundamental para evitar excessos e injustiças para a economia e a sociedade. O Projeto de Lei 529/20, que deu origem à Lei 17.293/20, trouxe aos paulistas aumento de impostos em plena pandemia, que não só aumentou o desemprego, mas fez cair a renda de milhares de pessoas.

Ricardo Mellão (NOVO-SP) | O Estado de S.Paulo


O texto enviado pelo governo englobava diversos assuntos, desde concessões de parques e aeroportos estaduais, extinção de órgão públicos, apropriação do superávit de fundos, autarquias e universidades do Governo do Estado até tributos estaduais. De início, batizado pelo governo como “Reforma Administrativa do Estado” – que curiosamente não abordava praticamente nada relativo a regras e vencimentos do funcionalismo público ou corte de despesas – logo passou a ser denominado pelo governo como “pacote de ajuste fiscal” na realidade, um verdadeiro “Cavalo de Doria”, por trazer em sua estrutura um pacote de maldades para o povo paulista: o aumento de impostos.

Aqueles que acompanharam as discussões políticas no decorrer do enredo tupiniquim sabem que ajuste fiscal entre receitas e despesas no país só dá certo quando a segunda se ajusta à primeira.

Devido ao excesso de pautas e temas que o tortuoso PL 529 abordava, logo se formou uma grande cortina de fumaça com o intuito de esconder a verdadeira intenção do texto apresentado. Enquanto a mídia pautava continuamente o debate em torno da possibilidade de universidades estaduais perderem recursos, assim como a Fapesp – com corredores da Alesp tomados por grupos de servidores representantes dos órgãos que seriam extintos – escondia-se ali no seu hoje artigo 22, a grande cartada que o governo pretendia com o polêmico projeto.

Em nosso país, para cada órgão estatal prestes a ser vítima de extinção ou enxugamento, haverá sempre um grupo organizado e articulado disposto a brigar até o fim para que isso não ocorra. Esses grupos irão aos gabinetes de cada deputado ou deputada, invadirão suas redes sociais e mobilizarão adeptos em suas bases no sentido de pressioná-los. Infelizmente, enquanto não houver o “sindicato dos pagadores de impostos”, ironia à parte, serão eles os destinatários da fatura do déficit estatal.

Contrariando o princípio constitucional da legalidade tributária, a lei aprovada retirou do Parlamento paulista o poder de discutir e votar qualquer aumento de alíquota de ICMS nas condições descritas O artigo 22 simplesmente concedeu ao governador o poder absolutista para aumentar alíquotas relativas ao imposto abaixo de 18%, podendo fazê-lo por meio de decreto sem a necessidade de um projeto de lei a ser debatido e votado na Casa.

A criação ou aumento de alíquota de impostos, que antes do ‘pacote de maldades’ passava pela aprovação do Parlamento, é uma conquista histórica que remonta à Inglaterra do século XIII, a partir dos protestos da população local contra os abusos do Rei João (João Sem-Terra), que teve limitado seu poder de instituir impostos. Desde então, a discussão sobre novos tributos ficava a cargo do Parlamento que, no caso brasileiro, podemos considerar o Poder Legislativo.

Infelizmente, após intensas lutas, debates, alertas e obstruções por mim e diversos deputados contrários, o projeto acabou aprovado com margem apertada de votos. E logo em posse do “cheque em branco” entregue pela Alesp, o governador João Doria não demorou muito para executá-lo. Desde a sanção da Lei 17.293/20, foram dez os decretos publicados elevando alíquotas em diversos itens e serviços essenciais à população paulista. Houve aumento de preços de insumos básicos da indústria e de produtos de consumo, onerando a cadeia de produção de inúmeros artigos, que vão desde medicamentos, cadeiras de rodas, insumos agrícolas e carros usados, até itens essenciais da cesta básica, como carne, leite e ovos.

Além desses fatores, outros resultantes dos efeitos desta majoração serão sentidos na retração da massa salarial e na redução do valor da produção setorial. Um estudo da FGV mostra que os impactos do aumento das alíquotas do ICMS são distorções para a economia do estado de São Paulo e de toda região Sudeste, o que impactará nos investimentos de diversos setores. Estimativas da FIESP mostram que cerca de 200 setores econômicos terão suas operações alteradas por conta das últimas mudanças de alíquotas.

Quando analisamos os dados apresentados de impacto no setor e o atentado contra a independência dos poderes, fica claro uma ação trágica e absurda contra a população paulista e seus representantes. Mas o absurdo em si nem sempre se desdobra em ação e mobilização popular. É preciso dar luz e visibilidade aos fatos e emitir um chamado às vítimas – todos nós -, contribuintes e consumidores. Sempre pagamos a fatura.

Para dar voz e luz e esse descontentamento, a Alesp foi palco de uma manifestação legítima e pacífica contra o aumento de impostos. Com apoio de mais de 80 entidades representativas, o “Tratoraço” de 17 de fevereiro reuniu centenas de pessoas dos mais diversos setores afetados, entre produtores rurais, representantes da saúde e das concessionárias de veículos, que foram reivindicar justiça para não serem prejudicados com a majoração de tributos.

Pelos motivos elencados, eu e mais 26 deputados assinamos o Projeto de Lei nº 82/2021 que visa revogar o artigo 22. Se aprovado e sancionado, o Poder Legislativo retomará sua autonomia ao trazer as discussões sobre este tema ao plenário da Casa Legislativa. Com a revogação desse “cheque em branco” daremos aos paulistas a oportunidade de retornar a tributação ao seu status anterior à publicação da citada lei, o que de fato contribuirá para a recuperação da economia.

Não é admissível que justamente aqueles que mais sofreram com os efeitos dessa pandemia sejam chamados a serem os fiadores do banquete estatal que, diferentemente da mesa do trabalhador, não reduziu nenhum ingrediente. A “cerca” tributária, uma vez aberta para passagem de um boi, logo cederá a passagem de toda a boiada. E enquanto não for revogado o artigo 22 da famigerada lei, muitas boiadas passarão. É preciso rasgar o cheque em branco!

*Ricardo Mellão, deputado estadual pelo Partido Novo-SP

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