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quinta-feira, 25 de março de 2021

Congresso turbina emendas e aprova Orçamento que tira verba da Previdência

Pressão por obras eleva cota parlamentar para R$ 49 bi, valor que será recorde se aplicado; Censo perde mais recursos

Thiago Resende, Danielle Brant e Renato Machado | Folha de S.Paulo

O Congresso aprovou nesta quinta-feira (25) o projeto de Orçamento de 2021 e chancelou a decisão do relator, senador Márcio Bittar (MDB-AC), de retirar R$ 26,5 bilhões dos recursos do seguro-desemprego, do abono salarial e da Previdência Social para bancar obras. A verba para Censo Demográfico de 2021 também foi reduzida. Por outro lado, foram preservados os recursos para o aumento salarial de militares, única categoria beneficiada com reajuste. Os demais servidores estão com os ganhos congelados.

O texto segue agora para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Para destravar a votação, interlocutores do governo e o relator negociaram a ampliação da verba para obras e projetos a serem executados nas bases eleitorais de congressistas.

Assim, o Congresso ampliou de aproximadamente R$ 20 bilhões para quase R$ 49 bilhões a fatia do Orçamento aplicada com base em critérios de parlamentares. Trata-se de um volume de um recorde caso seja efetivamente aplicado.

Técnicos legislativos criticaram vários pontos do Orçamento de 2021. Alguns chamaram o texto de peça de ficção, pois estaria subestimando ou adiando despesas obrigatórias, como aposentadorias e abono salarial, para acomodar gastos com emendas parlamentares.

O mecanismo de despesas condicionadas à mudança no auxílio doença é visto por esses técnicos como uma contabilidade criativa, já que dependem de uma medida ainda inexistente. O instrumento foi também usado no Orçamento de 2020.​

No Orçamento de 2020, as emendas parlamentares somaram, inicialmente, cerca de R$ 50,5 bilhões, em valor corrigido pela inflação.

No entanto, após o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se aproximar do centrão e com a chegada do coronavírus no Brasil, o Congresso encerrou o embate com o governo envolvendo o controle de parte do Orçamento. A fatia do Congresso caiu para aproximadamente R$ 38 bilhões.

As emendas previstas para 2021 beneficiaram principalmente o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional). Responsável por obras nas áreas de habitação, saneamento e recursos hídricos, a pasta ampliou espaço no Orçamento de R$ 6,5 bilhões, previsto na proposta original do governo enviada em agosto do ano passado, para quase R$ 21 bilhões.

Para os parlamentares, o ministério de Marinho, assim como o de Infraestrutura e o de Turismo, viabiliza a ampliação do capital político em suas bases.

Em ano de pandemia, o Congresso privilegiou, portanto, pastas ligadas a obras. O orçamento do Ministério da Saúde teve um aumento mais tímido, de 7%, após a apresentação das emendas parlamentares.

A redução, em especial nas contas da Previdência, preocupa técnicos do Ministério da Economia. A tesourada nesta área foi de R$ 13,6 bilhões.

O problema, segundo integrantes da equipe econômica, é que a verba para pagar aposentadorias e pensões já estava abaixo do considerado ideal.

Em vez de corrigir o rombo, Bittar ampliou a defasagem no orçamento da Previdência Social. Segundo o relator, o corte na Previdência seria ainda maior, mas, “num esforço conjunto”, foi possível minimizar a tesourada.

Bittar diz que a aprovação da reforma da Previdência e da lei do pente-fino nos benefícios com indício de irregularidade possibilitaram o corte.

A redução na verba do abono salarial foi de R$ 7,4 bilhões. Esse valor não será necessário, pois o Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador) decidiu adiar o pagamento do abono. Os benefícios que seriam liberados no segundo semestre foram transferidos para 2022.

O ajuste, segundo o governo, foi necessário por causa de atraso no processamento dos dados de quem tem direito ao abono e também para atender a uma recomendação da CGU (Controladoria-Geral da União) para que o calendário de pagamentos se encerre no mesmo ano.

Atualmente, os lotes começam a ser liberados no segundo semestre de um ano e acabam no primeiro semestre do ano seguinte.

O governo queria que essa redução de R$ 7,4 bilhões na verba do abono fosse usada para reduzir a pressão sobre o teto de gasto — regra que limita o crescimento das despesas. O Ministério da Economia estimou que precisará cortar R$ 17,6 bilhões para cumprir o teto neste ano. A conta foi feita com base na proposta de Orçamento enviada pelo governo em agosto de 2020. Portanto, o número pode ser alterado.

A tesourada no seguro-desemprego ocorre num momento de piora das expectativas da atividade econômica a reboque do agravamento da pandemia.

Bittar disse, no entanto, que a redução era necessária para permitir a recriação do programa emergencial de manutenção do emprego e da renda, o “que permitirá que centenas de empregos sejam preservados.”

Dentre os acréscimos, Bittar incluiu recursos para recuperação de ativos da União, obras em rodovias de Pará, Ceará e Santa Catarina, entre outros estados, construção de viadutos e regularização fundiária.

Do total de R$ 26,5 bilhões das novas emendas do relator, cerca de R$ 4 bilhões só serão executados após ser aprovada uma lei ou apresentada uma medida provisória que altere as regras de pagamento do auxílio doença.

O projeto de Orçamento não diz exatamente qual deve ser a mudança no auxílio doença. Uma das hipóteses em análise é que o auxílio-doença devido a trabalhadores afastados por motivos de saúde poderá ser pago pelas empresas, em vez ser pago pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

O reembolso para a empresa seria por abatimento em imposto federal devido ao governo, como a contribuição patronal para a Previdência. Isso não deve atingir micro e pequenas empresas, nem trabalhadores autônomos e rurais.

Se as mudanças no auxílio doença não forem apresentadas em até 30 dias após o Orçamento ser convertido em lei, os gastos condicionados a esta medida deverão ser cancelados.

Na nova versão do Orçamento, foi feito um novo corte nos recursos para a realização do Censo. No ano passado, o governo previu R$ 2 bilhões para a pesquisa. No começo da semana, Bittar reduziu esse valor em R$ 1,7 bilhão. Agora, com o texto em análise no Congresso, restam menos de R$ 100 milhões para o Censo.

O líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes, acenou com uma proposta para recompor os recursos do Censo, mas não houve acordo.

"Inviabilizar o Censo é declarar a falta de compromisso com o cidadão. Sem as informações do estudo não dá para direcionar políticas públicas de forma efetiva", criticou o líder do Novo na Câmara, Vinicius Poit (SP). "Exemplo disso é o próprio auxílio emergencial, que registrou pagamento indevido de R$ 54 bilhões para quem não precisava, em detrimento de gente carente que não tem nem o que comer."

O relatório manteve no Orçamento o aumento para militares, alvo de críticas em um momento em que servidores têm salários congelados. Os aumentos são parte de um acordo feito pelo governo para aprovar em 2019 uma espécie de reforma da Previdência das Forças Armadas.

"As despesas para a área da defesa correspondem a mais de quatro vezes àquilo que é previsto para a área da saúde, em um momento em que falta leito, falta medicamentos para intubação em plena pandemia”, afirmou a deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP).

Dentre os ministérios que não foram contemplados com emendas adicionais está o do Meio Ambiente. O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP) qualificou o Orçamento como o pior dos últimos 20 anos. “No Ministério do Meio Ambiente, o relator colocou R$ 200 milhões para que o [ministro Ricardo] Salles possa fazer política na área de lixo e saneamento, mas acabou com o orçamento de áreas protegidas e combate ao desmatamento.” ​

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