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terça-feira, 23 de março de 2021

Comissão marca votação do Orçamento, que prevê aumento só para militares

Projeto gerou questionamentos por ter contas subestimadas, o que forçará governo a cortar gastos

Bernardo Caram, Danielle Brant
e Renato Machado | Folha de S.Paulo

A Comissão Mista de Orçamento do Congresso marcou para esta quarta-feira (24) a votação do relatório do Orçamento de 2021. Inicialmente, o cronograma do colegiado previa para esta terça-feira (23) a votação do texto, que, entre outros pontos, libera aumento de remuneração para militares, enquanto servidores civis estão com salários congelados.

O relatório foi alvo de questionamentos por trazer parâmetros econômicos defasados, o que reduziu artificialmente os gastos do governo. Se o Orçamento for aprovado nesse formato, técnicos afirmam que o governo será obrigado a fazer cortes em verbas de ministérios.

A votação foi remarcada para quarta-feira para respeitar o prazo de dois dias para que o relatório final pudesse ser apreciado pelos membros da comissão —o parecer foi apresentado no final da noite de domingo (21).

Na sessão desta terça, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a expectativa é que o Congresso comece a votar o Orçamento na quinta (25).

Na CMO, a votação deve levar dois dias. Na quinta, o texto seria levado ao plenário do Congresso, para que o Orçamento seja finalizado nesta semana ainda.

Em relação à remuneração dos militares, o relator da proposta, senador Márcio Bittar (MDB-AC), manteve em seu parecer a previsão de reajustes. Os aumentos são parte de um acordo feito pelo governo para aprovar em 2019 uma espécie de reforma da Previdência das Forças Armadas.

Os aumentos serão concedidos de forma parcelada até 2023. Somente neste ano, enquanto o governo lida com um Orçamento apertado e restringe gastos para a mitigação da pandemia da Covid-19, o custo dos reajustes dos militares é estimado em R$ 7,1 bilhões.

Em 2020, ao liberar um pacote de socorro a estados e municípios, o governo negociou com o Congresso a aprovação de um congelamento salarial de servidores. A medida, que tem validade até dezembro deste ano, não alcança os militares.

O consultor de Orçamentos do Senado Vinicius Amaral questiona o benefício aos militares e afirma que o governo não dá oportunidade para que o Congresso avalie a necessidade do gasto. Segundo ele, o reajuste não aparece no anexo da proposta destinado a destacar custos dos aumentos salariais de servidores.

“Essa conta já veio lançada [pelo governo] nas despesas obrigatórias, ela não vem sequer como uma despesa a ser avaliada pelo Congresso, para decidir se ela será ou não implementada. No meu entendimento, isso contraria a Constituição”, afirmou.

Mantido o teor do relatório, os militares também devem ficar com parcela relevante dos investimentos do governo em 2021. Cerca de R$ 8,3 bilhões foram reservados para o Ministério da Defesa com essa finalidade. O montante equivale a 22% dos R$ 37,6 bilhões previstos para investimentos em todo o governo.

A deputada Sâmia Bomfim (PSOL-SP), membro da CMO, critica a decisão de dedicar verba ao aumento de militares no parecer de Bittar.

“A proposta orçamentária está muito aquém das necessidades do país nas áreas sociais”, afirmou.

“Além disso, nos chama a atenção que o governo proponha a possibilidade de reajuste do salário dos membros das Forças Armadas no momento em que todo o restante do funcionalismo está com os salários congelados, inclusive da base das polícias. Mais uma vez prioriza o Ministério da Defesa em detrimento das demais áreas, fortalecendo o setor que compõe e dá sustentação ao seu governo.”

O deputado Vinicius Poit (NOVO-SP), líder do Novo na Câmara, diz que não é possível reverter o aumento aos militares. “O que poderia e deveria ser feito é mudar a lei que concede esse aumento”, afirma.

“Estamos vivendo, agora, a consequência da escolha do governo de privilegiar essa categoria. Em plena pandemia, com milhões de pessoas perdendo emprego e renda, vendo seus salários congelados, os militares permanecem no paraíso do privilégio de aumento salarial. Enquanto isso, o resto da sociedade amarga a pior crise vivida pelo país nos últimos anos.”

Para a elaboração do relatório, Bittar deixou uma defasagem nas contas. De acordo com o consultor de Orçamento da Câmara Ricardo Volpe, parte da responsabilidade pelo problema é do governo, que deveria ter enviado uma mensagem atualizando parâmetros para a proposta.

“Caberia mais o Executivo ter buscado resolver um problema desse tamanho por uma mensagem modificativa do que o Congresso resolver. Os ajustes que o Congresso porventura fizesse reduzindo despesas, além do desgaste político, poderiam não atender à real necessidade do governo e atrasar mais a aprovação do Orçamento”, disse.

Segundo ele, os parâmetros econômicos foram atualizados na parte das receitas, elevando a projeção de arrecadação para o ano. Por outro lado, o relator optou por apresentar o texto sem fazer a atualização para as despesas. Isso fez com que o gasto do governo ficasse subestimado, sem incorporar o efeito do aumento do salário mínimo em benefícios previdenciários, abono salarial e programas assistenciais.

Na prática, quando o Congresso aprovar o Orçamento, o governo será forçado a reavaliar as contas e fazer cortes de gastos em ministérios.

Para o consultor, o governo terá que fazer um contingenciamento no curto prazo. Depois precisará encontrar medidas para abrir espaço no teto de gastos, regra que limita as despesas do governo à variação da inflação.

Uma das medidas já estudadas pelo governo é transferir aos empregadores a responsabilidade pelo pagamento do auxílio doença, hoje bancado pelo INSS. No entanto, a medida depende de aval do Congresso e sofre com resistência política.

Para Volpe, uma saída, ainda que insuficiente, seria contingenciar investimentos. Porém, parlamentares e as alas política e militar do governo pressionam pela liberação de recursos para destravar obras.


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