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domingo, 9 de dezembro de 2018

Discussão sobre aquecimento global é secundária, diz futuro ministro do Meio Ambiente

Ricardo Salles afirma que políticas ambientais têm sido tomadas com base em achismos


Thais Bilenky | Folha de S.Paulo

Anunciado neste domingo (9) futuro ministro do Meio Ambiente pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), o advogado Ricardo Salles (Novo) disse que a discussão sobre aquecimento global e inócua e pretende priorizar “questões tangíveis de preservação ambiental”.

Ricardo Salles (NOVO) | Reprodução

Ex-secretário do Meio Ambiente de São Paulo no governo Alckmin (PSDB) falou à Folha por telefone também sobre ações contra o desmatamento, que segundo ele são baseadas em achismos.

Réu por improbidade administrativa, ele é crítico do que chama de trabalho ideológico de órgãos ambientais como Ibama.

Folha - Qual é o papel do ambiente no crescimento econômico?

Ricardo Salles -
Em primeiro lugar, até por determinação do presidente, ele reiterou hoje isso comigo no telefone, a defesa do meio ambiente é um valor inafastável, inquestionável. É prioridade, vamos cuidar do meio ambiente com muita atenção. Mas vamos ter de conciliar com o respeito ao Estado de Direito, ao devido processo legal, à segurança jurídica, a uma série de itens, que, a despeito da importância do meio ambiente, não pode ficar em segundo lugar.

O sr. se refere a multas do Ibama, licenciamento?

Todas as regras de licenciamento, todos os aspectos de processo administrativo fiscalizatório, comumente chamado de multa, tem um regramento próprio, existe norma para isso. Vamos fazer questão de que a norma seja observada a todo momento.

Não está sendo?

Há casos em que a inobservância processual administrativa é comum quando a pessoa põe acima a questão ideológica. São Paulo teve que enfrentar o tema da vegetação de restinga no litoral quando na verdade a fiscalização acabou, por uma questão de preservacionismo ideológico, deixando de lado a definição legal e técnica de restinga e atribuindo a qualidade de restinga a todo o litoral do estado, que era um erro evidentemente.

O sr. concorda com Bolsonaro com a existência de uma indústria da multa por órgãos como o Ibama?

Todo o processo fiscalizatório e sancionatório tem que obedecer o devido processo legal, obedecer as normas e seguir a tramitação. Não estou dizendo que foi nem que não foi, estou dizendo como será. Nós vamos obedecer a lei.

Mas concorda que exista uma indústria da multa?

Existe uma proliferação de multas que muitas delas, lá na frente, depois de analisado o devido processo legal, mostram-se insubsistentes e acabam atrapalhando a vida do setor privado. Neste momento, vamos rever, analisar, deixar claro qual é o devido processo legal, o marco regulatório aplicável, e daí por diante verificar se a observância está sendo cumprida. Há um sentimento de toda a sociedade brasileira de que, a despeito da existência dessas regras, muitas das autuações são feitas por caráter ideológico do que efetivamente jurídico, e isso não pode acontecer. Vamos checar se realmente as premissas estão acontecendo ou não.

O que o sr. chama de caráter ideológico?

Citei o exemplo da restinga. Quando você deixa de lado questões técnicas para colocar questões opinativas, é a ideologia que está prevalencendo em detrimento da lei.

Bolsonaro falou em indústria da multa quando ele póprio foi multado ao pescar em uma reserva em Angra dos Reis (RJ).

Presta atenção. Ele não foi multado por pescar. Ele foi multado porque estava com uma vara de pesca. O fiscal presumiu que ele estava pescando. Então, veja bem, o exemplo que você deu já mostra como a questão ideológica permeia a atuação estatal nesses casos. É preciso ter muito equilíbrio antes de rotular.

Nesse caso, a autuação foi correta?

Não sei, não conheço o caso concreto. A versão que aparece na imprensa em geral é somente aquela pró-multa. Temos de analisar se os argumentos subjacentes ao fato, que vêm depois, apresentados no processo, se são procedentes ou não. No mais das vezes, e eu arrisco com base no percentual do estado de São Paulo, muitas das autuações, quando verificadas fora do calor das emoções, por outra autoridade administrativa que não a mesma que lavrou o auto de infração, em muitas casos, eu diria que em quase a metade, verifica-se que não havia fundamento para a autuação, e aí se revoga. Agora, olha o custo que isso tem para a sociedade, para o governo, para a máquina pública.

Existe possibilidade de avanço da produção agropecuária em espaços hoje dedicados à preservação?

Temos o Código Florestal, é lei. Temos que fazer valer a lei. Nem mais, nem menos. Na região da Amazônia, a reserva legal é de 80% da propriedade. Nos 20% remanescentes, é área dedicada à produção, portanto não há ilegalidade nenhuma.

Existe espaço para avançar a produção nesse espaço?
Precisamos criar elementos e mecanismos, como disse [a futura ministra da Agricultura,] Tereza Cristina, que permitam que o produtor ou proprietário se remunere nas diversas frentes em que decidir autar, pecuária, lavoura, ou manutenção da floresta, aí ele recebe green bonds [títulos verdes] ou PSA (pagamento por serviços ambientais). Sempre na mais absoluta e estrita observância da lei. Se a gente quiser outro marco regulatório, muda-se a lei e cumpra-se a nova lei. Enquanto essa for a lei, é essa lei que tem de ser aplicada.

Como se explica o aumento no desmatamento na Amazônia?

Volto ao tema ideológico. Não se sabe exatamente do que decorre esse desmatamento. Falta qualificar o dado. Vamos fazer efetivamente um trabalho muito duro e firme em esmiuçar os dados. Não só de desmatamento, todos os dados que dizem respeito à questão ambiental, precisam ter fundamento técnico-jurídico muito claro, não pode ser na base do achismo.

Esses números podem estar distorcidos?

Esses números nem são, nem não são. Falta uma verificação. Ninguém fez a verificação da maneira adequada. Temos o monitoramento por satélite muito bem feito da Embrapa, falta agora uma complementação para se verificar se o desmatamento de fato aconteceu e em que termos. Qualificar a informação.

O que pode estar sendo não verificado? O desmatamento observado por satélite pode não ter sido desmatamento?

Não, não é isso. Mas você não sabe se esse desmatamento que houve está dentro do limite legal ou fora. Você sabe se está dentro dos 20% ou fora. O levantamento do dado dá um número absoluto, sem qualificar.

Pelo que o sr. conhece do setor, as propriedades rurais têm espaço de produção que hoje não está sendo usado?

Não é questão de achar. Os números e planilhas e levantamentos por satélite é que vão mostrar a realidade. A grande discussão é em cima de achismo, e temos de trabalhar em cima de dados.

Até hoje os governos trabalharam em cima de achismos? Assinaram o Acordo de Paris com base em achismo?

Acordo de Paris não tem nada a ver. As opiniões que vêm sendo propagadas, de certa forma, sem contestação, muitas vezes são desprovidas de base técnica. O que falta hoje no Brasil? Falta termos dados técnicos para cada questionamento feito. Não uma interpretação pessoal e subjetiva da realidade, que é o que tem acontecido.

O ICMBio hoje gere quase 10% do território nacional. Qual será a sua política para essas áreas?

A conservação é importante, mas tem que contemplar a geração de receita através de ecoturismo, com a participação da sociedade. Precisamos de equilíbrio entre as partes do ICMBio --o governo, a sociedade civil, entidades do setor privado, entidades públicas. A gestão das unidades de conservação tem que prestigiar o conjunto das pessoas. Não podemos ter uma visão de isolacionismo, tratar as unidades de conservação como se fosse território isoladas, que vem acontecendo no Brasil nos últimos anos. Não há ocupação em termos de gestão, há muita invasão para mineração e contrabando. Precisamos ter um cuidado, gestão.

O sr é réu na Justiça por flexibilizar as áreas de preservação na várzea do rio Tietê.

Não é verdade, não flexibilizei. O que fiz foi trazer informações sobre erros que estavam sendo repetidos e concretizados em um trabalho ideológico, e não técnico. A APA da Várzea do Tietê tinha erros crassos. Uma questão técnica.

O Ministério Público denunciou e a Justiça aceitou.

A Justiça até agora deu duas liminares a meu favor. Importante mencionar que quem aprovou o plano de manejo foi o Conselho Estadual de Meio Ambiente por absoluta maioria dos votos.

O sr acha que a política ambiental que o sr defende pode esbarrar em interpretações divergentes do Ministério Público e Justiça?

Como vivemos em um regime democrático, todo mundo tem direito a ter a opinião que quiser. Mas não significa ter razão. Espero que não [esbarre].

O sr citou o conselho ambiental, do qual faz parte a Fiesp, uma das entidades que apoiaram sua indicação para o ministério. Isso reforça a ligação do seu nome aos setores ruralistas e industriais. Os ambientalistas e as ONGs terão espaço formal na pasta?

Claro. Terão todo o espaço, mas é importante ter responsabilidade. Para isso existe o Conama, o Conselho Nacional do Meio Ambiente.

Qual sua opinião sobre o aquecimento global? Tem setores preocupados, defender medidas imediatas, e tem setores mais céticos.

Eu acho que não é nem para um lado nem para o outro. Temos um dever de casa para fazer muito tangível relativo à preservação do solo, da água, ar e vegetação. A discussão se há ou não há aquecimento global é secundária. Não vou entrar nesse momento nessa discussão. Porque as questões tangíveis de preservação do meio ambiente, havendo ou não havendo aquecimento global, têm que ser feitas. Portanto, essa discussão neste momento é inócua.

O Acordo de Paris como foi feito precisa de revisão? O Brasil pode eventualmente deixá-lo?

Vamos olhar item por item os pontos mais sensíveis e, uma vez feita a análise, lembrando que a soberania nacional sobre o território é inegociável.

Está em risco?

Vamos ter de analisar. Se houver risco, vamos ter de tomar alguma providência.

A desistência do Brasil de sediar a COP 25 é mais um passo no realinhamento internacional do país a outros governos de direita, alguns considerados populistas. É necessário esse realinhamento?

Isso cabe ao presidente. Ele tem tomado decisões muito equilibradas e pensadas.

O sr falou em outubro que é preciso acabar com essa história de demarcação de terra indígena. O que isso significa?

Isso não é da minha pasta, falei como candidato. Quem responde pelo tema não sou eu. Não vou dar opinião sobre temas que não são da minha pasta.

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