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domingo, 26 de setembro de 2021

Cidade do Rio tem 1.123 imóveis públicos em nome dos extintos Estado da Guanabara e Prefeitura do Distrito Federal

Listas com 12,3 mil próprios municipais, estaduais e da União revela ainda que parte deles está abandonada, sumiu do mapa ou está invadida e favelizada

Rafael Galdo
e Selma Schmidt | O Globo


RIO - Já se vão 46 anos desde a fusão que extinguiu o Estado da Guanabara. Que o Rio perdeu o status de Distrito Federal, faz mais tempo: 61 anos. No entanto, entre as heranças do passado, a cidade tem pelo menos 1.123 imóveis cuja titularidade é de um desses entes federativos que há tanto deixaram de existir. E tal contrassenso não é o único revelado por listas de próprios municipais, estaduais e da União na ex-capital do Brasil. Ao todo, em solo carioca, são públicos 12,3 mil prédios, terrenos e outros tipos de propriedade. Numa amostra desse “latifúndio”, há endereços que sumiram do mapa, construções históricas abandonadas, áreas invadidas ou que viraram favelas e algumas que sequer se tem certeza sobre quem é o dono.


Só da prefeitura do Rio, informa a Secretaria municipal de Fazenda, são 9.017 imóveis. A relação inclui de escolas, hospitais e praças a cerca de 3 mil bens cedidos, pelos quais os ocupantes pagam para usar o espaço — um valor, segundo a pasta, de aproximadamente R$ 100 milhões ao ano. Do total, são 7.157 próprios registrados em nome do município. Porém, há 561 que continuam em favor do antigo Estado da Guanabara e, 562, da velha Prefeitura do Distrito Federal (PDF). Completam a listagem 737 imóveis que os técnicos dizem estar “em pesquisa”, ou seja, quando há legislação que ampare o entendimento de que o próprio é municipal, embora ainda não tenha a prefeitura como titular. Seria o caso de dezenas de escolas e de endereços como o do número 72 da Avenida Pasteur, onde funciona a Policlínica Botafogo.

Na Cidade Nova, a Vila Operária Salvador de Sá, inaugurada em 1906 pelo então prefeito Pereira Passos, é um dos imóveis até hoje pertencentes à PDF. Oriundo de uma das primeiras ações governamentais na habitação popular, o conjunto é tombado por sua importância histórica, arquitetônica e cultural. Tem dois pavimentos, ocupa três quarteirões da Avenida Salvador de Sá e, há décadas, sofre com um lamentável estado de conservação. As cerca de 150 famílias que moram no local — e que aguardam pelo título de propriedade — convivem com paredes descascadas, infiltrações e o risco de desabamento de varandas e do telhado.

Há quatro anos, Ivanira dos Santos comprou, por R$ 120 mil, uma das unidades no conjunto. Agora, está decidida a não esperar pelo poder público, a despeito do tombamento da construção:

— Não podemos ficar aguardando a prefeitura reformar. Estou tentando reunir alguns vizinhos para fazermos um mutirão para recuperarmos um pedaço da fachada.

Até a residência oficial dos prefeitos do Rio, a Gávea Pequena, está em nome da PDF, assim como unidades de saúde e de ensino, como o Ciep Salvador Allende, em Vila Isabel. No bairro de Noel, o antigo Jardim Zoológico é mais um remanescente do período pré-Brasília. Os cemitérios de Irajá, Santa Cruz, Ilha do Governador e Paquetá também estão sob a batuta desse ente do passado. E tem, inclusive, prédio residencial na nobre Rua General Venâncio Flores, no Leblon, que a lista detalha ser do Distrito Federal, numa área, segundo a Fazenda, em litígio.

Entre imóveis do extinto Estado da Guanabara, o de número 49 da Rua da Passagem, em Botafogo, desapareceu. Nas imediações de onde ficaria, no número 47 há uma oficina, e a numeração pula para o 51. Mais um endereço “guanabarino” seria o da Rua Cosme Velho 925. O imóvel é outro que sumiu: do 850, a numeração pula para 985.

Terrenos desapropriados na década passada para a construção do BRT Transcarioca são outros que engrossam a planilha do município. Muitos, deixaram de existir após o alargamento de vias para a implantação do corredor de ônibus. De outros, sobrou parte do imóvel, com cicatrizes das obras ainda espalhadas pela Zona Norte. Nas avenidas Braz de Pina (na altura da Penha Circular), Vicente de Carvalho (em Vila Kosmos) e Ministro Edgard Romero (entre Vaz Lobo e Madureira), são sequências desses lugares que ficaram pela metade. Coincidentemente, muitos deles para alugar ou à venda.

Digitalização de documentos antigos


A prefeitura alega que seu sistema para gestão dos imóveis, o Singeo, foi constituído a partir da digitalização de milhares de documentos, muitos deles antigos. Esse sistema, afirma a Fazenda, está em constante atualização. Mas, com relação ao acervo imobiliário da antiga PDF ou do Estado da Guanabara, argumenta que a transferência para o município não é automática, “tendo que se diligenciar junto a cada um dos Serviços Registrais a atualização por meio de processos próprios”. Além disso, ressalta a pasta, muitas vezes o registro da titularidade vira objeto de ações judiciais que duram anos.

“Vale lembrar que o caso do Rio é um dos únicos no mundo com a peculiaridade de ter sido capital federal, depois Estado da Federação até se tornar, a partir da fusão, parte do Estado do Rio de Janeiro — o que provoca essa complexidade em relação a seu patrimônio”, diz a Fazenda, em nota.

A secretaria explica que os próprios municipais estão contidos numa relação ainda maior, de 21 mil anotações sobre imóveis que compõem um cadastro para efeitos de acompanhamento, histórico e pesquisa, não necessariamente pertencentes ao município. Nessa lista, aparecem bens da União, da antiga Superintendência de Urbanização e Saneamento do Estado da Guanabara (Sursan) e 1.459 imóveis de titularidade “particular”, que foram alienados a terceiros. E aí a confusão pode aumentar.

Em Copacabana, uma placa na fachada informa que, no casarão da Rua Sá Ferreira 80, funcionaria a Biblioteca Escolar Municipal Carlos Drummond de Andrade, na antiga Casa Villot, construída na década de 1920. A construção foi declarada de utilidade pública e tombada pela prefeitura em 1996, sendo desapropriada em 2000. No sistema do município, entretanto, ela aparece como “particular”, porque a regularização imobiliária ainda está em curso. Enquanto isso, vizinhos contam que, há anos, a biblioteca está desativada, apesar de a Secretaria de Educação negar.

— Nunca vi funcionando. A biblioteca faz falta para as crianças e adolescentes do Pavão-Pavãozinho (ela fica no pé do morro) — lamenta Milton Nascimento, de 69 anos, que mora há 50 na favela. — Só não invadem a casa, que é enorme e dá também para a Ladeira Saint Roman, porque há um segurança permanente.

De Copacabana para a Barra, em outro imóvel classificado com “particular” há uma escola privada funcionando. Só que, na Rua Pedra de Itaúna 111, lote 3, em vez do Colégio Israel Brasil Scholem Aleichem, como consta da lista do município, está instalada uma filial da Escola Parque. A unidade deixa claro, porém, o quanto a lista municipal está obsoleta. “O imóvel é próprio e foi arrematado pela Parque Estabelecimento de Ensino (Escola Parque) num leilão junto à prefeitura e publicado no Diário Oficial”.

“O Colégio Israel Brasil Scholem Aleichem ocupou o lote municipal entre 1998 e 2008, antes de o imóvel ser vendido à Escola Parque, em 2010, permanecendo esta informação no sistema. Inexiste razão para se permanecer atualizando anotações de um imóvel que não mais pertence ao MRJ”, defende-se a prefeitura.

Diante desse emaranhando de árdua compreensão, o vereador Pedro Duarte (Novo), que tem se debruçado sobre as listas de imóveis públicos da cidade, critica:

— Não têm controle de nada, não atualizam a planilha. Além do valor econômico e financeiro, esses imóveis são potenciais que foram desperdiçados. Poderiam ser moradia, comércio, ter vários destinos ao longo das décadas. Quando passamos o pente fino na lista, o que vemos é que não há cuidado em relação a isso. Faz parte da gestão pública debater as opções para cada imóvel. Só que o que temos é desorganização e abandono.

Já o arquiteto e urbanista Sérgio Magalhães lembra que o registro de propriedade é questão embaralhada no Brasil, atingindo bens públicos e particulares, entre eles os de igrejas, irmandades e associações beneméritas, que durante muito tempo receberam doações. Para ele, as dificuldades na regularização de imóveis se tornam um “desserviço” para a cidade:

— Um imóvel que não é aproveitado convenientemente é prejudicial para o desenvolvimento de um bairro. Ele fica decadente, degradado, contamina a vizinhança. Sob o ponto de vista urbanístico, é uma lástima. E é também uma lástima por não fazer circular riqueza, que fica estagnada ali.

Do governo federal, como mostrou O GLOBO, muitos dos 2.264 imóveis detalhados antes do primeiro Feirão de Imóveis SPU+, em agosto, estão nesse estágio de abandono, como os localizados na Rua Senador Pompeu, no Centro. Já os invadidos eram 13 informados pela União.

Áreas foram favelizadas


A lista do estado, por sua vez, tem 1.060 imóveis, dos quais 97 em processo de regularização da titularidade. E tampouco é raro encontrar problemas neles. Localidades absorvidas por comunidades constam desse cadastro. É o caso da área da Roupa Suja, na Rocinha, que tem sido largada à própria sorte. O esqueleto do início das obras de um plano inclinado, que deveria ter sido entregue em 2013, está ali para lembrar uma promessa descumprida pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), ao passo que os moradores convivem com lixo e entulho.

Assim como a da prefeitura, a tabela estadual também tem endereços que não existem mais. Foi o destino do número 3.190 da Avenida Epitácio Pessoa, que ficaria nas imediações da Curva do Calombo, na Lagoa. Secretário estadual de Planejamento e Gestão, José Luís Zamith afirma que sua equipe está avaliando e vistoriando os bens do governo no Rio. Em até um mês, ele vai apresentar “um plano que dará destinação a todos os próprios e equipamentos do estado”.

— O projeto é transformar a Subsecretaria de Patrimônio em geradora de receita para o estado — diz Zamith, que levará os resultados da avaliação em andamento ao governador Cláudio Castro. — Dificuldades de regularização vêm desde o Império.

Zamith cita um caso que considera absurdo:

— A Cobal do Leblon era do Estado, que a emprestou para a Conab (órgão da União). E a Conab agora é dona de algo que é do Estado.

Segundo a Seplag, após a avaliação e organização de todos os prédios e terrenos estaduais, para analisar os valores, estado de conservação, tipo de cessão e até a necessidade de mantê-los ou não, será feita a modelagem para um futuro projeto de desmobilização de ativos, que está sendo desenhado.

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