Pedro Duarte | Diário do Rio
Quando era mais novo, sempre sonhei em trabalhar no Centro. Ouvia falar de como a vida era agitada, de como existia um mundo de escritórios, lojas, bares e restaurantes.
Hoje eu trabalho no Centro, na Cinelândia para ser mais preciso, um local que há pouco tempo vivia rodeado de milhares de pessoas diariamente. Infelizmente, o cenário já é outro no Centro do Rio – ou na Cidade, como muitos cariocas se referem carinhosamente -, consequências da crise social e econômica que atravessa o Rio, agravada ainda mais pela pandemia. Foi transformado em um cemitério de lojas, restaurantes e escritórios. Suas ruas vazias lembram filmes de terror do passado.
O Centro ainda é o coração econômico e financeiro da cidade, mas as sucessivas crises impactaram fortemente a região. Uma pesquisa do Programa Centro Para Todos (IPP, IRPH, PGM) realizada entre 2017 e 2018 aponta que, durante essa época, pelo menos 20% dos imóveis do Centro estavam vazios ou subutilizados. Em 2020, as vendas do comércio caíram mais de 30%, com fechamento de quase 800 empresas, segundo levantamentos do Clube de Diretores Lojistas do Rio e da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro.
Até os passageiros estão em falta no principal meio de transporte da região. O VLT, criado para interligar as ruas do Centro, viu o número de usuários cair pela metade, segundo dados da Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp).
Para revivermos o Centro do Rio, será necessário um plano de ação para solucionar o problema dos terrenos vazios e subutilizados, públicos e privados, que não contribuem para o desenvolvimento e qualidade de vida da cidade. Com o abandono, vem a desordem urbana e a falta de segurança.
O que vemos no Centro hoje são consequências de um problema herdado há décadas.
Em 1976, um decreto da Prefeitura proibiu o uso residencial em todo o Centro, o que causou o afastamento de moradores da região. Foi revogado em 1994, mas o dano foi feito e a imagem de uma região não-residencial se perpetua até hoje.
Estamos próximos da revisão do Plano Diretor do Rio de Janeiro, momento mais que oportuno para alterar normas que não fazem mais sentido para a cidade e estruturar novas dinâmicas que possibilitem o desenvolvimento sustentável do Rio -a começar pela reocupação da sua área central com gente morando, trabalhando e aproveitando suas horas livres nos diversos equipamentos culturais. Além da II R.A., abrangida pelo Reviver Centro, o novo Plano Diretor pode articular uma ideia de centralidade expandida, integrando os bairros do entorno e a Zona Norte a essa proposta de promover moradias mais acessíveis e próximas ao trabalho das pessoas, aumentando a qualidade de vida da população carioca.
O Programa Reviver Centro, apresentado pela Prefeitura, é o início desse movimento. Ao buscar a vitalidade da área central, incentivando o uso residencial e misto (habitação + comércio + serviços), o programa busca a transformação do uso de imóveis vazios ou subutilizados através de benefícios fiscais, flexibilização de normas de construção, programas de aluguel social e investimentos diretos na recuperação do espaço público.
Para que o programa dê certo, é essencial a articulação entre poder público e iniciativa privada. É necessário atrair a atenção do mercado imobiliário para a região central, e isso se faz afinando benefícios, permutas, cálculos que garantam um valor final de metro quadrado que seja acessível aos novos moradores e vantajoso para o setor de construção.
Vejamos o exemplo de São Paulo. Em 2015, a capital paulista contava com 2 mil moradias populares. Na época, a revisão do Plano Diretor optou por ampliar a participação da iniciativa privada, e esse número saltou para 25 mil em apenas três anos.
Não basta um projeto bonito no papel. Um projeto como este precisa ser otimizado para entregar os melhores resultados possíveis, e só conseguiremos isso com o envolvimento da população, do setor público e da iniciativa privada.
Que o sonho de trabalhar no Centro seja complementado com o sonho de morar no Centro do Rio e voltar para onde tudo começou.
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