Objetivo é estender serviço para novas unidades até dezembro. Perspectiva é que linha de cuidado seja adotada gradativamente nos demais hospitais da fundação
Agência Minas
Os hospitais Infantil João Paulo II (HIJPII) e Eduardo de Menezes (HEM), da Rede Fhemig, registraram bons resultados com a inclusão dos cuidados paliativos em sua prática assistencial diária. Por conta da experiência positiva, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), maior rede de hospitais públicos do Sistema Único de Saúde (SUS), vai, agora, impulsionar a implantação do serviço em mais unidades.
Crédito: Alexandra Marques |
Os hospitais João XXIII, Júlia Kubitschek e Alberto Cavalcanti, por exemplo, já estão se preparando para, até dezembro deste ano, passar a oferecer o serviço. A perspectiva é que, no médio prazo, os demais hospitais da Fhemig, gradativamente, adotem essa linha de cuidado, por meio de equipe própria ou por interconsulta.
De acordo com a coordenadora médica da Diretoria Assistencial (Dirass) da Fhemig, Maria Aparecida Bicalho, este é um projeto prioritário na fundação. “O essencial é que a atenção seja ofertada e que todo usuário tenha acesso aos cuidados paliativos quando necessário. Este é o propósito da Dirass”, reforça.
No SUS, conforme informações do Ministério da Saúde, os cuidados paliativos são compreendidos como medidas adotadas para melhoria da qualidade de vida do paciente, a partir do diagnóstico de uma doença que não tem cura. Estão entre os cuidados o suporte psicológico, medicamentos para alívio de dores e também o apoio a familiares e cuidadores (Saiba mais sobre a normatização neste link do Ministério da Saúde).
Sistematização
Para ampliação do número de hospitais, a Fhemig investiu de forma contínua na formação dos profissionais. Ao longo de 18 meses, foram realizados, por videoconferência, cursos mensais sobre cuidados paliativos. Ao mesmo tempo, a Coordenação de Educação Permanente (Cedep) contratou ações de capacitação na temática, ampliando a formação na área.
Nesse sentido, as videoconferências foram uma estratégia para consolidar a temática dos cuidados paliativos na Fhemig. Além disso, a Dirass está coordenando projeto de elaboração de protocolo clínico em cuidados paliativos, de forma a sistematizar a prática em toda a instituição.
O Hospital Eduardo de Menezes, por exemplo, promoveu um workshop sobre comunicação de más notícias, que contou com ampla participação dos profissionais da rede. Vale lembrar que, em Minas Gerais, os cuidados paliativos, de forma estruturada, têm menos de dez anos.
As equipes multidisciplinares de cuidados paliativos do HJXXIII, HJK e HAC terão composição mínima de médico, enfermeiro, psicólogo e assistente social. “Elas não serão exclusivas e também atuarão em outras áreas do hospital”, salienta Aparecida Bicalho.
Números
Quando entrou em vigor a Resolução nº 41, de 31 de outubro de 2018, que dispõe sobre as diretrizes para organização dos cuidados paliativos em todo o país, o Hospital Infantil João Paulo II já realizava atendimento em cuidados paliativos há mais de quatro anos. No hospital, que implantou sua equipe especializada em janeiro de 2014, houve aumento na disponibilidade de leitos de internação na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), justamente pela transferência de pacientes dependentes de ventilação mecânica da UTI para a enfermaria e, posteriormente, para o cuidado domiciliar.
Em 2008, seis anos antes dos cuidados paliativos se tornarem prática na unidade, 313 pacientes foram internados na UTI e, em 2018, quatro anos após a adoção dos cuidados, esse número mais que dobrou e subiu para 649 pacientes. Um aumento de 107%, sem que houvesse a ampliação do número de leitos.
Hoje, o HIJPII tem 16 leitos de internação para pacientes em cuidados paliativos e realiza interconsultas em todas as áreas do hospital incluindo UTI, sala de urgência e enfermarias de clínica pediátrica. São cerca de 20 interconsultas por mês e entre 25 e 30 pacientes internados na enfermaria de cuidados paliativos mensalmente. Em domicílio, há 34 pacientes internados nessa modalidade de internação.
Situação semelhante ocorre no Hospital Eduardo de Menezes que, desde maio de 2017, também adota a prática. A equipe multidisciplinar conta com médicos paliativistas, psicóloga, enfermeira, fisioterapeuta e assistente social. A composição da equipe reflete o perfil dos pacientes do hospital, que é referência estadual em doenças infectocontagiosas.
“Pelo fato de os pacientes serem frequentemente acometidos por doenças neurológicas incapacitantes e graves, ter uma fisioterapeuta é um diferencial da equipe de paliativos do HEM”, afirma a médica e coordenadora do CTI do HEM, Neimy Ramos.
Entre maio de 2017 e julho deste ano, foram atendidos 259 pacientes e realizadas, no mínimo, 259 conferências familiares. Para agilizar a desospitalização, um ambulatório de cuidados paliativos foi aberto em dezembro do ano passado.
Novo olhar
Outro aspecto fundamental nesse cenário é o crescente reconhecimento dos profissionais do hospital quanto à importância da abordagem paliativa que, em 2016, passou a ser denominada Programa Cuidar – Cuidado Paliativo e Domiciliar. “A equipe de Enfermagem e residentes de Pediatria têm provocado os médicos diaristas e especialistas para que convoquem a equipe de cuidados paliativos para auxiliar na elaboração do plano de cuidados dos pacientes com doenças complexas”, revela a coordenadora do Programa Cuidar, Carolina Affonseca.
Além disso, há o pedido formal dos cuidadores dos pacientes para que eles sejam internados nas enfermarias de cuidados paliativos quando necessário, o que deixa clara a qualidade do cuidado e do acolhimento realizado pela equipe.
Transição
Os hospitais João XXIII, Júlia Kubitschek e Alberto Cavalcanti encontram-se num período de transição para a prática paliativista. No João XXIII, por exemplo, a Unidade de Cuidados Progressivos (ambiente de transição entre a UTI e a enfermaria, setor com alta presença de pacientes com indicação de cuidados paliativos), que tem 24 leitos, passou a atender, nos primeiros três meses das ações de cuidados paliativos no hospital, um quarto dos pacientes (25,3%) com foco principal nas ações paliativistas. Desses, 38% tiveram alta para a enfermaria.
“Dentre os que não falecem ou recebem alta, percebemos que a dependência de máquinas de respiração ou hemodiálise ficou bem menor após a entrada do profissional paliativista. Com a otimização do diálogo interdisciplinar, foi perceptível o aumento da rotatividade dos leitos nos últimos meses, melhorando o acesso aos recursos do hospital para os pacientes que são admitidos”, conta a coordenadora da unidade, a médica Gabriela Casanova.
Cuidado essencial
Especialista em Cuidados Paliativos pela Universidade de São Paulo, Gabriela Casanova é enfática ao afirmar que os cuidados paliativos são uma forma de cuidado essencial para uma boa prática médica. “No entanto, ainda estamos introduzindo esse ensinamento nas graduações e, hoje o paliativista tem uma missão educativa com seus colegas de trabalho que não passaram por uma formação na área”, pondera.
Os cuidados paliativos não antecipam nem atrasam a morte. Eles promovem a qualidade de vida de pacientes (adultos e crianças), e de seus familiares, que enfrentam doenças que ameaçam a vida. Se aplicam a casos em que a doença é incurável, incapacitante e com piora progressiva, apesar de todas os esforços da Medicina e suas possibilidades.
Como preconiza a resolução do Conselho Federal de Medicina, na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis, é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.
Impossibilidade de cura
Gabriela Casanova afirma, com base em sua experiência pessoal, que quando a equipe de cuidados paliativos aborda a família, a adesão ultrapassa os 90%. A maior dificuldade é a adesão da equipe de Saúde, pois depende do grau de formação em cuidados paliativos dos profissionais que nela atuam. Daí a importância da ação formativa promovida pela Fhemig ao longo dos últimos anos. “Toda família aceita o cuidado que é mais benéfico para seu familiar”, assegura a médica paliativista.
De acordo com a especialista, não assumir a impossibilidade de cura pode levar os profissionais a focarem no tratamento errado. É para evitar isso que os cuidados paliativos atuam.
“Focamos no paciente: sua história de vida, seus desejos de últimas realizações, na dignidade e na qualidade de vida, que é singular de cada um. Cuidamos da família também. Para suprir as demandas de dimensão física, psíquica, social e espiritual, precisamos de uma equipe multiprofissional com uma interação transdisciplinar e a escuta empática é uma ferramenta indispensável, aprendemos sobre a biografia daquele sujeito que está sob nossos cuidados”, ensina.
Ela ressalta ainda que o cuidado paliativo precoce é extremamente importante, pois permite ao paciente crônico decidir sobre o seu tratamento. “Tem que saber abordar, tem que conhecer a história do paciente”, salienta o enfermeiro João Samena, do Hospital Alberto Cavalcanti.
Em muitos casos, os pacientes melhoram quando os cuidados paliativos se tornam o foco do tratamento. Há casos em que as pessoas deixam o hospital para conviverem com seus familiares e retomarem, até certo ponto, sua rotina. Por outro lado, como revela Gabriela, “os pacientes que não melhoram tanto ao ponto de ter alta, melhoram o suficiente para dormir sem falta de ar, para fazer uma videoconferência com o filho que mora em outro país, para passar uma receita que é segredo de família, para dizer eu te amo, me desculpe, te perdoo e adeus”, observa.
Cuidar de quem cuida
A coordenadora da Unidade de Cuidados Progressivos ressalta um aspecto relevante da atenção em cuidados paliativos: o cuidado com a equipe. “É importante cuidar da equipe, pois cuidar e se defrontar com a morte e o sofrimento do paciente obriga o profissional de Saúde a refletir sobre a própria mortalidade e de seus familiares. O falecimento do paciente é sempre triste, mas não conseguir cuidar dele no momento da morte, como acontece na ausência de um olhar paliativo, é frustrante”, revela a médica.
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