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Juliana Benício: Cota de gênero no Brasil: está dando certo?

Desde a década de 50 a mulher ampliou sua participação no mercado de trabalho brasileiro de 14% para 49%. 

Juliana Benício | Boletim da Liberdade

Apesar da qualidade do emprego ainda ser muito aquém do potencial de trabalho da mulher, conseguimos verificar avanços nestes últimos 70 anos da nossa história. Esses avanços são consideráveis, principalmente se compararmos com os mais de 200 anos posteriores a Revolução Industrial, onde se verificou uma clara estrutura de poder social centralizada no homem.


Diferentemente do que Engels preconizou, não foi a propriedade privada que excluiu as mulheres do mundo do trabalho, ou seja, não é culpa do capitalismo. O fato é que a estrutura familiar da época demorou a se adaptar à especialização, que exigiu que o ambiente de trabalho fosse dissociado do lar. Por este motivo, o homem passou a ocupar o ambiente “trabalho” e a mulher o lar, de tal forma que a geração de capital ficasse restrita ao homem.

Esse afastamento da mulher do centro do poder, teve consequências para sua representatividade. A política é um dos ambientes da sociedade menos ocupados pela mulher.

Com tentativa de consertar essa distorção, a política de cotas de gênero passou a ser testada no mundo inteiro e ainda há muita controvérsia acerca da sua efetividade.

A grande maioria da literatura foca sua pesquisa defendendo a importância da participação feminina nos lugares de poder, ou seja, defendem a cota simplesmente pela comprovação da existência do problema, mas poucos estudos se concentram em verificar os ganhos reais desta política. Nas pesquisam que focam nas consequências da política de cota conseguimos encontrar resultados absolutamente heterogêneos. De um lado experiências que a cota promoveu, de fato, maior inserção da mulher no ambiente político; e do outro, experiências que a cota não promoveu qualquer alteração; e, ainda, experiências que a cota prejudicou a inserção feminina, principalmente porque ela pode reforçar os estereótipos e afetar as percepções individuais da eficácia das mulheres como líderes.

Diante da incerteza que encontramos ainda no campo teórico, convido o leitor a olhar para os dados brasileiros. Vamos aos resultados que podemos verificar, considerando o ano de 2002 o ponto inicial da obrigatoriedade dos 30% de cotas de gênero nas candidaturas.

Na Figura 1 percebemos que, nos cargos de voto proporcional (deputadas) houve um pequeno acréscimo de participação feminina. Contudo, nos cargos de voto majoritários, se considerarmos o ano base de 2002, percebemos uma diminuição da participação feminina para o cargo de governadora e estabilidade no cargo de senadora.

Fonte: TSE

Na Figura 2, os resultados não são mais animadores. Um crescimento médio de 1% na eleição de mulheres por quadriênio. Considerando, ainda, uma média de participação feminina no mercado de trabalho de 40% no período estudado pelos gráficos acima (IBGE), e, ainda, que neste período a qualidade do emprego da mulher melhorou, percebemos que distorção entre a participação feminina no mercado de trabalho e na política praticamente não mudou.

Fonte: TSE

Ao revelar esses resultados é necessário, ainda, destacar as externalidades negativas da política de cotas, como:

-> Candidaturas laranja que inflamam o número total de candidaturas femininas e burlam a lei eleitoral;

-> Mulheres sendo enganadas e exploradas pelo ambiente hostil partidário. Ouço muitos relatos de mulheres inexperientes na política que são presas fáceis para políticos profissionais. Eles prometem ajuda durante a campanha, e depois da cota preenchida elas são abandonadas. Essas mulheres acabam por se afastar ainda mais do ambiente político.

-> As candidaturas femininas majoritariamente são de nicho, ou seja, defendem pautas que a sociedade entende como sendo “lugar de fala da mulher”: feminismo, educação, assistência social, entre outros. Essas candidaturas são importantes, mas quando elas dominam o cenário político, podem reforçar a ideia de que a mulher não esteja pronta para representar a sociedade como um todo.

Diante do contexto apresentado, defendo que a cota foi ineficaz na inserção da mulher na política.

Concluo pontuando que objetivo deste estudo não é desmerecer a luta feminina nem diminuir a necessidade de buscarmos um ambiente mais justo para todos. Lembro que, durante meus 20 anos de atuação profissional, pude colecionar cicatrizes de ter passado por assédio moral e decepções relacionadas ao preconceito latente. É justamente a vontade de resolver o problema que busco me aprofundar e procurar soluções viáveis. Hoje ela passa pela educação e políticas de sensibilização social.

O problema não deixa de existir a partir da criação de uma política. É preciso monitorar os resultados. É preciso aprimorar sempre. A criação de cota pode diminuir o peso da consciência dos líderes políticos, mas efetivamente é um caminho fácil para um problema que demanda muito mais comprometimento de suas atuações políticas.

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