João Fucs | O Estado de S.Paulo
O financista João Amoêdo, fundador, ex-presidente do Novo e ex-candidato à Presidência da República em 2018, tornou-se um crítico implacável da maior parte dos mandatários do partido, por eles se posicionarem contra o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e resistirem à adoção de uma postura de oposição em relação ao governo.
O financista João Amoêdo, fundador, ex-presidente do Novo e ex-candidato à Presidência da República em 2018, tornou-se um crítico implacável da maior parte dos mandatários do partido, por eles se posicionarem contra o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e resistirem à adoção de uma postura de oposição em relação ao governo.
João Amoêdo | Divulgação |
Afastado de qualquer função partidária desde março do ano passado e sem mandato político, ele passou a usar as redes sociais para dar seus pitacos na política e no partido, estimulando a polarização de representantes, filiados e simpatizantes do Novo sobre os rumos da legenda.
Nesta entrevista ao Estadão, resultado de duas conversas mantidas com ele nas últimas semanas, Amoêdo fala sobre o impacto que as divergências podem ter no futuro do Novo e não descarta um racha definitivo entre as duas correntes.
"Acredito que deveria ser um caminho natural para o partido dizer que não houve crime e não deve haver pedido de impeachment ou chegar à conclusão de que realmente houve alguns crimes e o impeachment faria sentido", afirma. "Se isso for feito, tanto para um lado quanto para o outro, em cima dos fatos, do consenso, da racionalidade, pode até haver uma cisão, mas o partido sairá fortalecido pela coerência."
Está havendo uma polarização muito grande no Novo, da qual, de certa forma, o sr. é o pivô. De um lado, o sr. defende o impeachment do presidente Jair Bolsonaro e uma postura de oposição ao governo (aprovada pelo Diretório Nacional do partido em 6 de março). De outro, a bancada do Novo na Câmara e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema, são contra o impeachment e a favor de uma posição independente em relação ao governo. O que está acontecendo com o Novo?
Há, realmente, certa divisão dentro do partido. Há pessoas que são anti-Bolsonaro, por tudo o que ele tem feito, e pessoas que entendem que o Bolsonaro tem lá suas qualidades, que, afinal, o PT saiu, e consequentemente adotam uma linha mais pró-governo. O fato de existirem essas duas correntes e de o partido como instituição ter se colocado (até a semana passada) de forma independente, na linha do “olha, nós elogiamos as coisas boas e criticamos as coisas ruins”, é que acabou gerando essa polarização. Agora, eu não tenho mais qualquer participação na gestão partidária. Então, tudo o que eu falo, as posições que tenho colocado em relação ao governo Bolsonaro e ao impeachment, é em meu nome pessoal, como filiado do partido, e não tem um caráter institucional.
Embora o sr. tenha se afastado de funções partidárias e não esteja exercendo um mandato político, ainda é visto como o grande líder do Novo. Sua opinião influencia muitos filiados e simpatizantes do partido. Isso não acaba gerando certa confusão em relação à posição do Novo?
Na prática, o que acontece é que, por eu ter sido fundador e principalmente o candidato do partido à Presidência em 2018, acabei ganhando alguma relevância, um status de figura pública, pelo número de seguidores que tenho nas redes. O Novo depende muito de voluntários e muitas vezes não é fácil trazer pessoas para o projeto. Então, estou sempre aberto a participar. Se eu puder ajudar um pouco, atrair gente para ser candidato e passar um pouco da experiência desses 10 anos em que fiquei na direção do partido, vou ajudar, informal ou formalmente mesmo. Talvez, lá na frente, eu possa voltar um pouco à gestão partidária.
Muitas lideranças, gente que participou da fundação do Novo e até doadores do partido dizem que, mesmo sem exercer funções partidárias, o sr. ainda “manda” no partido. Como o sr. encara essa percepção?
É curioso. Muita gente diz “Ah, o João manda no partido”. Mas o partido não adotou ainda nenhum posicionamento em relação ao impeachment, que eu defendo. Não tem sido isso o que o Diretório Nacional tem pregado nem a grande maioria dos mandatários do partido. Uma das principais razões de eu ter deixado a direção do Novo foi porque achei que era importante sair até para mostrar que não tem essa coisa de “o João é quem manda”. Eu acreditava que era importante fazer uma passagem de bastão no partido, para mostrar que a gente é uma instituição que não depende só de uma pessoa e de um pequeno grupo e vai evoluir ao longo do tempo. Achava que, para a saúde da instituição, era importante ter alternância no poder. Qualquer instituição num primeiro momento depende muito do seu fundador, mas para ter sucesso tem de ficar independente daquela pessoa ou daquele grupo inicial, porque senão ela não cresce.
O que o levou a apoiar o impeachment?
Eu já vinha falando do impeachment há algum tempo e voltei a falar mais forte agora. No ano passado, em março, quando o presidente fez o pronunciamento de que a pandemia era só uma “gripezinha”, fiquei muito indignado, porque estava vendo o quadro na Europa e na Ásia. Vi que ele não teria condições de estar à frente do combate à pandemia, que seria bom que renunciasse. Disse que a gente teria de ficar atento, que cada um dependeria muito de si próprio para se cuidar, porque do governo viria muito pouca coisa. Depois, com a saída do (ex-ministro Sérgio) Moro, o aparelhamento das instituições e aquelas participações em algumas manifestações antidemocráticas, contra o Supremo e contra o Congresso, eu falei que valeria a pena estudar a abertura de um processo de impeachment. De lá pra cá, ele vem só cometendo mais crimes, fazendo agressões às nações estrangeiras, tendo uma condução trágica em toda a pandemia, que culminou com a atuação no caso de Manaus, com a falta de oxigênio. Aí voltei mais forte com essa questão do impeachment. Na minha opinião e na de juristas, já há uma quantidade enorme de crimes cometidos pelo presidente. O que não há ainda é o clima político para o impeachment, mas não tenho dúvida de que é o certo a ser feito.
Hoje, o sr. diz ser oposição ao governo, mas votou em Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. O sr. não tem também uma parcela de responsabilidade no que está acontecendo?
Em nenhum momento eu quis apoiá-lo. Votei contra o PT. Na minha visão, aqueles que votaram nele como um antídoto contra o PT no segundo turno, porque era a única opção disponível naquele momento, aqueles que são da direita, liberais e apostavam nas reformas mais estruturais, têm a obrigação de cobrar o que não está sendo feito. A questão é que, no jogo político, como ele ainda tem um nível de aceitação razoável e as pesquisas mostram que ainda tem um porcentual elevado das intenções de voto para 2022, pelo recall, por estar na Presidência, e como ele também tem nas redes sociais uma grande quantidade de seguidores e uma operação muito forte, que destrói reputações, agride qualquer um que fala contra, o que me parece é que muitas pessoas ainda ficam reticentes de se posicionar pelo impeachment, porque isso pode ter outras consequências.
Na sua avaliação, essa é a melhor estratégia para conquistar quem eventualmente votou no Bolsonaro no segundo turno ou nem votou e busca uma alternativa política de centro e centro-direita?
Acredito que esse posicionamento é fundamental para o partido, até para poder tomar uma decisão em relação às eleições de 2022. O Novo vai lançar candidato ou não vai lançar candidato? Vai propor um candidato alternativo que mude isso que está aí? Na minha ótica, o Novo deve se comprometer a respeitar as instituições, o Congresso, o Supremo, a imprensa e a ter uma postura de diálogo. Deve se comprometer a cuidar do meio ambiente, cortar privilégios e benefícios, retomar uma operação como a Lava Jato, ser contra a impunidade. Se não, nós vamos acabar endossando a tese de que a eleição tem de ser polarizada, não pode ter uma terceira via, e se você é contra a esquerda é porque está com o governo. Há uma demanda por uma terceira via na sociedade, que tem de ser contra o governo e contra a esquerda.
Alguns deputados do Novo dizem que adotam uma postura independente e não apoiam o governo, mas sim as propostas que têm correlação com as ideias do Novo. O sr. é contra essa posição?
Em primeiro lugar, quero dizer que, para mim, a independência é uma virtude. Ser um partido independente deixa você com total liberdade para se posicionar contra ou a favor e dar inclusive mais peso ao seu posicionamento, porque você não tem cargo no governo, não está recebendo privilégios e benefícios. Quando começou o governo, eu mesmo dei uma declaração dizendo que a gente iria ser independente e sempre votaria as pautas que fazem sentido. O Novo foi o maior defensor da reforma da Previdência. Também votamos a favor da Lei da Liberdade Econômica. Estamos sempre falando de privatização, redução do tamanho do Estado, melhoria da eficiência, reforma tributária. Na reforma administrativa, o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) está na Comissão pedindo uma reforma que tenha efeito imediato, ao contrário da proposta do governo, cujos efeitos vão levar anos para aparecer. Agora, o meu ponto é que, passada já mais da metade do mandato, devemos ter uma avaliação do governo como um todo. Isso não quer dizer que a gente não deva e não possa continuar votando as pautas que são alinhadas com o que a gente pensa.
A que o sr. atribui o fraco desempenho do partido em 2020?
Eu estive totalmente afastado das eleições de 2020. Praticamente não participei do pleito com nenhum dos candidatos. Fiz apenas algumas lives, com uma meia dúzia. Mas concordo que tivemos um desempenho aquém do que poderíamos ter tido – e eu atribuo isso justamente ao fato de que a gente ficou um pouco no meio do caminho e não definiu um posicionamento mais firme em relação ao governo (antes das eleições). Acho que isso tirou o nosso protagonismo, passou indefinição para alguns eleitores do partido. Alguns não votaram no Novo, porque achavam que era um partido muito próximo ao Bolsonaro. Outros não votaram porque achavam que era um partido antibolsonaro, É claro que nessas eleições houve outros fatores. Foi difícil fazer campanha, por conta da covid. Além disso, a renovação política que foi muito demandada em 2018, não teve tanto impacto em 2020. Houve uma busca do político mais tradicional, com mais experiência, mas acho que a falta de um posicionamento também desgastou, para um lado ou para o outro.
Nas últimas semanas, esse conflito no Novo extrapolou os muros do partido. O sr. criticou a bancada federal e o governador de Minas, Romeu Zema, nas redes sociais e houve um bate-boca com alguns parlamentares do Novo, que responderam à sua publicação. Qual a razão de suas críticas?
A gente tem de tomar cuidado para não cair nessa narrativa de que tenho feito críticas àqueles mandatários dentro do Novo que têm posicionamentos a favor do Bolsonaro ou que não contra o Bolsonaro. Não há nenhuma crítica minha ao governador nem à bancada e não há bate-boca em público. Disse apenas que discordava do voto da bancada pela soltura do deputado Daniel Silveira e pelo fato de que o partido não tinha um posicionamento claro em relação ao governo. No caso do Zema, ele disse que era contra a decisão do Novo de apoiar o impeachment e que achava que o Diretório Nacional estava gerenciando o partido muito dentro de gabinete. Eu simplesmente falei que, se fosse verdadeira essa informação, de que o partido tinha resolvido apoiar o impeachment, eu parabenizava o Novo. Mas não me lembro de ter feito nenhuma crítica ao Zema. Sempre digo que ele é um sujeito trabalhador, honesto, que tem feito um bom trabalho. Agora, ele tem uma posição diferente da minha em relação ao governo Bolsonaro. Não vejo isso como uma crítica ou um bate-boca. Foram esses os comentários que eu fiz. O meu ponto como fundador é criticar a falta de posicionamento, mas nunca os mandatários. Não cabe a mim julgar os mandatários. Isso será feito pelos eleitores nas urnas.
Muitos integrantes da ala que apoia o impeachment e até do Diretório Nacional do partido referem-se à bancada do Novo na Câmara, ao governador Zema e a outras lideranças que defendem uma postura independente do partido como “bolsonaristas”. Tem bolsonarista no Novo?
Eu não saberia dizer se tem, mas não está claro para a grande maioria dos filiados se bolsonarista é ou não bem-vindo no Novo. O que eu sinto às vezes é uma cobrança de filiados. Eles dizem que muitas vezes alguns mandatários são muito duros quando é uma coisa contra o Supremo ou algum outro partido e um pouco menos em relação ao governo. Cobra-se muito, eventualmente, de um governo estadual e não se vê o mesmo nível de cobrança do governo federal. Isso é algo que eu já ouvi as pessoas reclamarem, dando exemplos.
Em sua visão, o governador Zema, que muitas vezes é colocado como integrante da ala que apoia o governo, é bolsonarista? Os parlamentares do Novo são bolsonaristas?
Não sei dizer, mas o fato é que a imprensa fala muito isso. O carimbo que vem da imprensa e consequentemente chega para os filiados é que tem uma aproximação muito grande com o presidente. Às vezes, o pessoal enxerga uma coisa um pouco diferente da gente. Eu, pessoalmente, não os classifico assim, até porque não acredito que seja muito relevante classificar essas pessoas como bolsonaristas. Como eu disse, o que eu acho é que o partido deve ter um posicionamento claro em relação ao governo (como fez agora o Diretório Nacional). Não podemos nos esquecer de que o Novo é um partido político. Nós não somos comentaristas de política que podem dizer que o governo tomou essas medidas e foi bem e tomou aquelas outras e não foi tão bem. Nesta altura, já é razoável que a gente tenha uma avaliação mais definitiva, para dar mais unidade ao partido.
Onde isso vai parar? Vai haver um racha no Novo? Todo mundo que tem mandato pelo Novo vai vestir outra camisa e o partido vai perder sua representação política?
Imaginando que não tenham bolsonaristas dentro do Novo nem antibolsonaristas doentes, todas essas decisões deveriam ser em cima dos fatos, tomadas com racionalidade, para que a gente não caia naquele Fla-Flu que temos visto na política, em que cada um toma o seu lado, independentemente dos fatos, e o que importa é a narrativa em que a pessoa acredita. No Novo, a gente sempre se pautou pela racionalidade, pelo consenso, pela coerência. Então, mais uma vez, para encerrar esse assunto, acredito que deveria ser um caminho natural para o partido dizer que não houve crime nenhum e que não deve haver pedido de impeachment ou chegar à conclusão de que realmente houve alguns crimes e que o impeachment faria sentido, não necessariamente para que o pedido partisse do Novo, mas talvez para endossar outros pedidos. Acho que se isso for feito, tanto para um lado quanto para o outro, em cima dos fatos, do consenso, da racionalidade, pode até haver uma cisão, mas o partido sairá fortalecido, pela coerência. O que eu não acho é que a gente possa tomar qualquer decisão para um lado ou para o outro em cima dos desejos das pessoas. Tem de ser em cima dos dados e dos fatos.
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