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domingo, 13 de setembro de 2020

Número de filiados encolhe pela primeira vez em ano de eleição municipal

Levantamento do GLOBO com base em dados do TSE aponta que o número de pessoas vinculadas a legendas caiu 2% em 2020; queda, mesmo pequena, é inédita

Alice Cravo
e Pedro Capetti | O Globo

RIO — A política partidária está atraindo menos os brasileiros. Pela primeira vez desde 2004, o número de filiados a partidos políticos no país encolheu em um ano de eleição municipal. Levantamento do GLOBO com base em dados do TSE aponta que o número de pessoas vinculadas a legendas caiu 2% em 2020, se comparado a 2018. Ao todo, o país tem 16,49 milhões de pessoas em 33 partidos.


A queda, mesmo pequena, é inédita. Historicamente, os pleitos municipais são momentos em que as siglas tendem a aumentar a sua base de olho nas disputas por um lugar nas câmaras de vereadores de todo o país. Em 2016, por exemplo, o crescimento na comparação com 2014 foi de 7,7%. Em 2012, de 8,83%. Até agora, somente uma queda do número de filiados havia sido registrada, em 2006, ano de eleição federal e estadual.

Para especialistas, a retração observada este ano pode estar relacionada a uma tendência de distanciamento entre eleitores e a política partidária, bem como do processo eleitoral. Eles apontam também para a possibilidade de mudança nas disputas locais, que costumam ser protagonizadas por legendas tradicionais. Atualmente, 11% dos eleitores estão em alguma legenda.

A redução no número de filiados se soma à menor participação da população nas eleições, principalmente entre os jovens. Como o GLOBO mostrou em agosto, neste ano, o número de eleitores entre 16 e 17 anos aptos a votar é 55% menor que o contabilizado em 2016 — e é o resultado mais baixo desde 1990, após o voto facultativo para esta faixa etária ser instituído pela Constituição de 1988.

A mudança demográfica também pode explicar a redução do número de brasileiros que podem votar. Em 2016, 91,2% das pessoas acima de 16 anos constavam no cadastro do TSE. Este ano, esse percentual é de 88,9%. Soma-se a isso a crescente abstenção registrada nos últimos pleitos.

— É uma mudança. Menos jovens indo votar, mais idosos na população e uma alta abstenção para esse segmento. E se você deixa de votar, você é excluído (do cadastro) — ressalta Jairo Nicolau, cientista político e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) — Mas ainda temos um número alto, na comparação com outros países, por conta do voto obrigatório.

A baixa filiação e o menor contingente apto a votar podem gerar efeitos para a política no futuro. O aumento no número de filiados em ano de eleição municipal, segundo especialistas, está relacionado, principalmente, à corrida para vereador. Além do elevado número de postulantes ao cargo, as Câmaras são tradicionalmente tidas como o primeiro passo na carreira política. Candidatos, por sua vez, tentam mobilizar novos filiados até as convenções na tentativa de aumentar seu capital político nas disputas internas.

Tendência e novidade

As eleições desde ano também trazem uma novidade: pela primeira vez as coligações não valerão para uma vaga nas câmaras municipais. Até 2018, o cálculo da distribuição das vagas no Legislativo incluía todos os partidos de uma coligação. Assim, siglas menores se juntavam a siglas maiores para aumentar suas chances. Agora, a conta será feita de acordo com a votação dos candidatos de cada partido. Isso faz com que as legendas lancem mais nomes na disputa, mesmo com menos filiados. Nomes tradicionais devem se destacar.

— Historicamente, partidos que lançam mais candidatos são aqueles com entrada maior de novos filiados. Se essa for a lógica, teoricamente, teríamos um recuo de novas candidaturas, o que não parece ser o caso, especulando que vão ter mais candidatos (por conta do fim das coligações) — afirma Bruno Speck, professor de Ciência Política da USP.

O pleito de 2020 poderá ser, ainda, a oportunidade de consolidação das legendas menores nos municípios, pois siglas como NOVO, Rede e PSOL registraram aumento do número de filiados. Já o MDB, partido mais antigo do país, encolheu 9,7% entre 2018 e 2020.

Para Maria do Socorro Sousa Braga, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), as legendas mais antigas ainda colhem os efeitos negativos gerados pela Operação Lava-Jato.

— O núcleo duro (partidos tradicionais) está sendo impactado por esse sintoma do apartidarismo, de uma descrença da política, da Lava-Jato, assim como os efeitos que vieram a partir de 2015 — explica a pesquisadora.

Lucas Mingardi, doutorando em Ciência Política na USP, destaca que os objetivos de partidos maiores e menores nas eleições municipais são diferentes. Para os mais tradicionais, é uma oportunidade de renovar a imagem, hoje desgastada, perante o eleitorado.

— É claro que todo mundo quer vencer eleição, mas partidos mais novos seguem a lógica de maximizar os ganhos. O que conseguir agora vai ajudar no futuro. É uma disputa diferente dos mais estabelecidos — ressalta Mingardi.

Maria do Socorro acredita que partidos da base do presidente Jair Bolsonaro com capilaridade no Nordeste podem se beneficiar com o pagamento do auxílio emergencial.

— Naquelas cidades onde o auxílio teve mais impacto, o PSD pode se beneficiar.

Sobe e desce sinaliza mudanças no campo político

O sobe e desce do número de filiados aos partidos políticos brasileiros traz ainda os ecos do terremoto eleitoral de 2018 e sinaliza para uma troca de guarda entre as principais siglas brasileiras. Dados do TSE indicam que, das cinco legendas que mais ganharam membros entre 2018 e 2020, quatro foram fundadas nos últimos 20 anos — Novo, Rede, PSOL e PSD — e uma, o PSL, mudou completamente de perfil após a chegada do presidente Jair Bolsonaro para disputar a última eleição presidencial.

As siglas em crescimento apontam também para uma reorganização do campo político brasileiro. Nas últimas três décadas, PT, de um lado, e PSDB, de outro, representaram os polos em torno dos quais orbitavam legendas de centro-esquerda, como PDT, PSB e PCdoB, e de centro-direita, como o DEM, antigo PFL. Entre os dois grupos, o predomínio era do MDB, sempre aliado ao governo de ocasião, acompanhado de várias legendas de menor expressão.

Agora, esta configuração começa a se alterar com o avanço de partidos mais jovens, que tendem a atrair mais eleitores e, consequentemente, mais filiados. O movimento inverso é observado em relação às agremiações tradicionais, aponta Bruno Speck, da Universidade de São Paulo (USP).

À esquerda, tanto a Rede quanto o PSOL surgiram a partir de dissidências do PT. As principais lideranças dos dois partidos iniciaram sua trajetória política como petistas e decidiram criar novas legendas a partir de discordâncias com os rumos dos governos Lula e Dilma Rousseff. A Rede cresceu 38,6% de 2018 para 2020 e o PSOL, 24,4%, em número de filiados.

À direita, o PSL catapultou seu número de filiados na esteira da vitória eleitoral de Bolsonaro e da eleição de uma grande bancada na Câmara, há dois anos, o que garantiu uma fatia gorda dos fundos partidário e eleitoral. O partido cresceu 80,4% desde o último pleito.

Já o NOVO, que se destaca na cena política na defesa de um discurso fortemente liberal e pela recusa a utilizar recursos públicos para se manter, registrou o maior crescimento de todos, de 121%, reflexo do apelo da bandeira da nova política.

No centro, o PSD, de Gilberto Kassab, caminha para tomar o lugar que era ocupado pelo MDB. Para Maria do Socorro Sousa Braga, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), a sigla de Kassab, que faz parte da base de Bolsonaro, deve ocupar o espaço na centro-direita aberto também por DEM e PSDB. Em relação às legendas de esquerda, a pesquisadora prevê dificuldades para destronar o PT.

— O PSOL e a Rede estão tentando ocupar o espaço do PT, o problema é que eles não têm a capilaridade — afirma Maria do Socorro.

Apesar do sobe e desce, só o resultado das eleições municipais será capaz de mostrar se esta mudança no campo político é estrutural ou apenas uma reacomodação passageira.

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