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sexta-feira, 11 de outubro de 2019

Júlia Lucy: Qual é a diferença entre a velha e a nova política? (VIDEO)

Católica, liberal e a favor do planejamento familiar, deputada entra em polêmica com um padre para defender seus ideais


Orlando Pontes | Brasília Capital

Ela tem a idade de Cristo e foi mãe aos 17 anos. Hoje, deputada distrital eleita com 7.665 votos, a católica Júlia Lucy é uma liberal defensora do direito de as mulheres usarem métodos contraceptivos, como o DIU, para planejar suas famílias. Isso a envolveu numa polêmica com um padre durante um evento na Cidade Estrutural. Nesta entrevista ao Brasília Capital, a cientista política, moradora do Guará, que combina a cor laranja do Novo nas vestimentas e na decoração do gabinete na Câmara Legislativa, fala da importância das redes sociais e diz o que é nova e velha política.


“A nova política é exatamente coadunar os interesses e a pluralidade de pensamento” | Foto: Lorrane Oliveira

Como tem sido colocar em prática o discurso de seu partido de não usar verbas públicas e não usar os métodos da velha política? 

– O Novo já superou seu primeiro desafio, que foi ultrapassar a cláusula de barreira. Durante a campanha, muitas pessoas falavam que não elegeríamos ninguém, porque as campanhas são muito caras e não tínhamos estrutura partidária e não utilizaríamos o Fundo Eleitoral. Mas, ao contrário de muitos partidos que utilizaram o fundo, nós ultrapassamos a cláusula de barreira. Elegemos 8 federais, 16 estaduais e o governador de Minas Gerais, Romeu Zema.

O Zema foi eleito prometendo acabar com 80% dos cargos comissionados do governo do estado. Nove meses depois, não cortou nem 50%. Foi apenas uma promessa eleitoreira? 

– Ele está fazendo uma verdadeira revolução na administração de Minas Gerais. O estado estava em frangalhos, sem conseguir pagar os salários dos servidores. Temos notícia de que ele vai cumprir até o final do ano. Uma analogia que a gente utiliza para explicar a situação de Minas é a seguinte: uma família que ganha R$ 6 mil e que gasta todos os meses R$ 7 mil e tem uma dívida acumulada de R$ 150 mil. Então, todo mês aumenta o seu déficit, porque tem uma série de obrigações, de despesas, que não podem ser cortadas de uma hora pra outra. São obrigações constitucionais ou definidas pela Constituição do estado de Minas. É um processo que precisa de um período de transição para colocar a casa em ordem.

Nesse processo, houve outra promessa que também não vem sendo cumprida: Ele falou que o governador e o vice não teriam salário e que todos os secretários ganhariam um teto de R$ 10 mil brutos. Mas agora paga jeton para completar o salário do primeiro escalão. Como é explicar isso? 

– A administração pública no Brasil não é transparente no nível que deveria ser. Tem muitas coisas já deveriam ser de conhecimento geral e não são. O que aconteceu foi que, quando Aécio Neves era governador, ele tomou uma atitude bem populista na época de reduzir os salários dos secretários de Estado. O secretariado de Minas Gerais passou a receber menos que os secretários do município de Belo Horizonte. Para contornar isso, ele instituiu o jetons. Até então, eles não tinham um controle como tinham sobre os salários. E muita coisa errada aconteceu ali, porque a gente sabe que as nomeações para quem vai receber jetons utilizam critérios políticos. A própria concessão do jetons não passa pelo mesmo crivo que o salário. Então, quando o Zema fez a campanha, ele não sabia disso, e quando assumiu o governo se deparou com uma verdadeira bomba nas mãos. Precisava de pessoas qualificadas para exercer os cargos e percebeu que precisaria remunerar um pouco melhor os secretários para competir com o mercado, a fim de manter as melhores pessoas. Ai é que vem toda essa dificuldade. O que a gente vê é que as nossas promessas e os nossos compromissos de enxugar a máquina, para que ela seja mais econômica e ao mesmo tempo entregue serviços públicos de qualidade, a gente cumpre. Mas, eventualmente, um ou outro ajustes tem que ser feito. Aqui em Brasília, muitas vezes o governador Ibaneis é criticado por descumprir certos acordos de campanha. E eu sou uma das pessoas que sempre coloca esse ponto de vista de que, quando você assume e toma ciência de uma série de situações que não tinha conhecimento, a coisa muda de figura.

Cite exemplos desse tipo de caso aqui em Brasília 

– Por exemplo, quando ele disse que não iria privatizar o metrô. Eu não vou entrar no mérito se foi uma promessa populista ou não. Eu posso falar da campanha do Novo. Nós fomos claros: Queríamos privatizar o metrô.

A senhora continua a favor da privatização do metrô? 

– Continuo. O governador disse que não faria, mas a partir do momento que ele assume a função de gestor, ele tem obrigação de ser responsável e de tomar as decisões necessárias para manter o equilíbrio fiscal.

Ele disse, também, que extinguiria o Instituto Hospital de Base, e na verdade o ampliou, criando o Iges… 

– Exato. Esta foi uma crítica que eu fiz a ele, porque ele assumiu esse compromisso de não expandir e quando tomou posse, já em janeiro e – na minha opinião – de uma forma açodada, de uma forma não calcada em dados, porque a gestão do Base não tinha passado nem por um ciclo de um ano, ele forçou essa aprovação aqui na Câmara; Eu fui uma das pessoas que votou contra, exatamente porque não tínhamos elementos para decidir se o modelo era melhor ou não. Até hoje, na realidade, a gente não tem como afirmar isso.

Vamos pegar três exemplos de discursos: O presidente Bolsonaro e os governadores Ibaneis e Zema falaram que não praticariam a velha política. Mas o secretário de governo de Minas Gerais, o deputado Bilac Pinto, foi o secretário do Aécio e do Anastasia. Como se pratica a nova política com as mesmas figuras do passado? 

– Isso não tem nada de velha política. A nova política é exatamente coadunar os interesses e a pluralidade de pensamento. Se nós, que somos liberais, fecharmos as portas pra todo mundo que passou nos governos passados, seria uma atitude autoritária e intransigente. Nós, no Novo, vamos analisar o perfil da pessoa pelo histórico, pela competência, pela honestidade. Se ela fez parte de um governo de esquerda, a gente não vai impedir que essa pessoa trabalhe. No meu gabinete eu tenho pessoas que já tiveram experiências em governos do PT e são pessoas que foram selecionadas pelo mérito delas e vêm desempenhando um excelente trabalho. A gente quer exatamente ver a competência. Se a gente fosse radical ao ponto de não querer ninguém do governo passado, isso mostraria uma inabilidade de conviver em uma democracia. E o Novo é defensor da democracia. Ninguém é dono da verdade. O que a gente chama de velha política é quando se deixa o interesse público de lado para defender interesses privados, corporativistas. A gente tem que defender o interesse da maioria das pessoas, daquilo que é republicano.

O seu partido é contra o financiamento público de campanha. Mas não é fácil defender isso quando se tem uma fortuna de R$ 500 milhões, como é o caso do João Amoêdo… 

– Não, não é fácil. O Amoêdo quase não colocou dinheiro dele na campanha, assim como o Zema. Todos nós corremos atrás do financiamento de pessoas que acreditam no nosso potencial. Eu não sou rica. Fiz uma campanha com menos de R$ 30 mil. Os outros deputados também.

Com o auxílio das redes sociais… 

– Claro! A tecnologia está aí pra isso. A nossa defesa é exatamente essa. Hoje a campanha pode ser mais barata. Não se justifica manter campanhas caras. O mundo mudou. Hoje você acessa as pessoas pela internet. O processo democrático tem que ser mais barato. É possível ser mais barato.

O Bolsonaro disse que não tinha colocado dinheiro dele na campanha e agora estão aparecendo os laranjas… 

– Eu posso falar do Novo. As nossas candidaturas foram reais, tanto as femininas quanto as masculinas. Todo mundo que foi candidato pelo Novo foi porque acredita que pode ser diferente. Se a gente recebesse um centavo de dinheiro público, não faria sentido a gente estar ali, se expondo, gastando a nossa saúde, a nossa energia. Para os financiamentos, nós corremos atrás de pessoas físicas que acreditam no nosso trabalho. O Zema fechou a campanha com saldo. Foi uma campanha de voluntários, assim como foi a minha e a do Amoêdo. Não é um negócio, diferente dos outros partidos, especialmente no caso das mulheres, que recebem dinheiro pra colocar o nome delas na chapa. Aqui no DF, se tivéssemos mais uma candidata, teríamos feito uma federal. Mas a gente não coloca laranja. A gente concorreu com menos quatro pessoas para federal. Então a gente paga o preço por realmente defender as nossas ideias na prática, porque de discurso hipócrita está todo mundo cansado.

A senhora tem desenvolvido um mandato com muitas participações em eventos públicos. Recentemente, teve uma polêmica na Cidade Estrutural. Como foi isso? 

– Na realidade, foi uma promoção da Secretaria de Saúde, um mutirão para disponibilizar DIU (dispositivo intrauterino) às mulheres. O DIU tem uma função anticonceptiva. Ele impede a fecundação do óvulo e, portanto, não gera vida, não gera gravidez. Nos países onde mais há utilização de DIU, há baixos índices de abortos. No Brasil, é uma política pública implementada pelo Ministério da Saúde desde o ano 2000. Eu solicitei que o mutirão fosse realizado na Estrutural, aproveitando o mês do Outubro Rosa, porque não adianta iluminar os prédios de rosa e não disponibilizar meios de saúde para a mulher. E Secretaria, gentilmente, promoveu esse mutirão. Obviamente eu estive presente. Ai, um padre se voltou contra essa ação, porque uma parcela da igreja católica acredita que o DIU é abortivo. Eu defendo que as pessoas sejam livres para defenderem o seu ponto de vista. Logo, não condeno o padre por essa ação. Só acho que ele poderia ter se informado um pouco mais, porque não se tratava de uma novidade. É uma política de saúde do DF. Então, começou uma polêmica em torno disso, como se fosse a primeira vez que a Secretaria estivesse fazendo isso, como se não fosse um direito das mulheres terem acesso a esse meio para planejar o tamanho das suas famílias. Está na hora da gente entender que o planejamento familiar é uma pauta extremamente importante e que a gente não pode misturar Igreja com Estado.

Até porque o Estado é laico… 

– O Estado tem que ser laico. Política pública não tem que ser direcionada por opinião de uma ou outra igreja, senão a gente acaba misturando as esferas.

A senhora é usuária contumaz das redes sociais e foi eleita usando essas ferramentas. A campanha de 2018 foi um divisor de águas no marketing eleitoral? Qual a importância das redes sociais para as próximas campanhas? 

– Com certeza. Na realidade, eu acho que a campanha de 2016 já teve esse perfil. Não é à toa que a gente conseguiu eleger quatro vereadores. Mas a de 2018 deixou muito claro a importância das redes sociais. O Bolsonaro é a maior prova disso. Ele soube utilizar muito bem as redes, especialmente o WhatsApp.

E a facada. 

– A facada deu uma projeção a ele na mídia tradicional, aparecendo nos jornais, nas mídias tradicionais. Foi quando mais pessoas começaram a ter conhecimento sobre quem era ele, e ele tomou esse aspecto de herói e vítima. Aquela pessoa que está ali pro combate e pagou o preço por isso. Eu mesma me revoltei, porque querer tirar o direito de alguém de ser candidato é muito grave. Esse tipo de ação tem como plano de fundo a intolerância. É não aceitar uma opinião divergente da sua a tal ponto de querer matar aquela pessoa.

Esse episódio enfraqueceu a mídia tradicional? 

– A facada mostrou que a tecnologia é importante, mas não substituiu ainda a mídia tradicional. E não sei se vai substituir. No exercício do mandato, eu percebo que quando a mídia tradicional joga algum tema, ele domina.

O que precisa ser aperfeiçoado no uso das redes sociais? 

– Eu tenho uma série de críticas em relação à tecnologia. Por exemplo, as redes sociais, ao contrário do que eu pensava, não são um espaço democrático. Elas são dominadas por grupos de interesses que conseguem se organizar e definir uma pauta. Por exemplo: Quando a gente falou sobre privatização do metrô, eu lancei uma enquete ‘você é a favor ou contra a privatização do metrô?’. Os grupos se organizaram em torno dessa pauta e, naturalmente, legitimamente, começaram a circular a enquete pelos grupos de WhatsApp deles. Então, no início da minha enquete eu tinha um resultado. Depois dessa campanha nos bastidores, o resultado foi o extremo oposto. Assim, a gente tem que tomar muito cuidado, porque não significa necessariamente que é opinião da sociedade. A rede pode ser facilmente apropriada por grupos muito bem organizados. Isso é democrático? Não sei. Depende do conceito de democracia de cada um. Enfim, não tem como retroagir. Eu já vi pessoas mais conservadoras questionando. Mas eu acho que a gente tem que aprender a conviver com as novidades.

Veja também o vídeo na íntegra da conversa com Júlia Lucy:



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