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quarta-feira, 6 de março de 2019

Do choque de gestão ao choque de realidade, a experiência de Minas sob novo comando

Em dois meses de governo, Romeu Zema coloca à prova modelo de administração proposto pelo Partido Novo diante do abalo pelo desastre em Brumadinho


Breiller Pires | El País

Romeu Zema está na vitrine do Novo. Aos 54 anos, o empresário de Araxá é o grande trunfo do partido para mostrar a que veio na política. Governando Minas Gerais, ele tem a missão de provar que eficiência administrativa, redução do Estado e transparência são bandeiras que transcendem o discurso. Entre os planos já traçados constam um amplo ajuste nas contas públicas, combalidas pelo déficit estimado em 30 bilhões de reais, e o corte de gastos “na carne” para poder refinanciar a dívida com a União. Porém, logo nos dois primeiros meses de Governo, a nova cara do executivo mineiro se deparou com um choque de realidade que exige dele ainda mais poder de negociação do que o de sua jornada como gestor à frente de seus negócios.

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Romeu Zema lidera o governo do Novo em Minas Gerais | GIL LEONARDI / GOVERNO MG

Em que pese a situação crítica nas finanças, três bombas caíram no colo do governador em menos de 30 dias. A principal delas, o rompimento de barragem da Vale em Brumadinho. Embora o licenciamento da estrutura tenha sido concedido à mineradora no fim do governo de Fernando Pimentel (PT), respingos do desastre socioambiental atingiram a imagem de Zema. Na época da campanha eleitoral, ele chegou a defender uma flexibilização na concessão de licenças ambientais, com estabelecimento de seguro obrigatório para barragens e aumento da fiscalização. Logo na segunda semana de Governo, reuniu-se com representantes da Samarco, controlada pela Vale, para tratar sobre a reativação de operações da empresa no Estado após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, em 2015.

Manteve o antigo secretário de Pimentel, o servidor de carreira Germano Luiz Gomes Vieira, à frente da secretaria de Meio Ambiente, pressionada pelas repercussões do mar de lama. Durante sua gestão, Vieira facilitou a redução de risco em algumas barragens, incluindo a da Mina do Córrego do Feijão, que rompeu em Brumadinho, permitindo às mineradoras acelerar o processo de licenciamento. Em sua defesa, Romeu Zema diz que a manutenção do secretário no cargo se deve ao “seu perfil técnico”, avalizado por processo seletivo. Ao longo dos trabalhos de resgate, o governador instalou um gabinete de gestão de crise, determinou a desativação das barragens construídas a montante, mesma técnica empregada nas que causaram os desastres mais recentes, e prometeu punição severa à empresa.

No olho do furacão, o governador ainda se empenha em desarmar outros dois petardos que ameaçavam comprometer seu início de gestão em Minas. De um lado, prefeitos enfurecidos pela falta de repasses de recursos aos municípios, que se acumulam desde a administração Pimentel. Do outro, servidores públicos impacientes pelos atrasos de salário e do 13º. O vice-governador Paulo Brant recorreu à premissa do “cobertor curto” ao tentar dimensionar o tamanho do “dilema de Sofia”. “A arrecadação do Estado não é suficiente para pagar servidores e fazer repasses aos prefeitos. Nesse momento, é um ou outro”, discursou durante um pronunciamento em que tentava acalmar os prefeitos.

Mobilizados pela Associação Mineira de Municípios (AMM), chefes do executivo de várias cidades foram à Cidade Administrativa, sede do governo, para cobrar de Zema a dívida referente ao mês de janeiro, sem contar os quase 12 bilhões retidos por Pimentel. A revolta ganhou contornos de protesto depois de serem barrados pela polícia na entrada. “Fala uma coisa e pratica outra”, gritava um dos prefeitos, em referência ao governador e ao seu partido. “Cadê o João Amoedo? Cadê o Novo?”. Já o prefeito de Moema e presidente da AMM, Julvan Lacerda (MDB), foi além ao manifestar seu descontentamento. “Nem o Governo anterior, com todo seu desleixo com as prefeituras, nos tratou dessa forma.”

Amargando os efeitos práticos da crise financeira, os prefeitos, estrangulados em seus Orçamentos pela falta dos repasses, decidiram aproveitar a troca de gestão para aumentar a pressão sobre o Governo estadual. Além de enfrentarem problemas do dia a dia, como a escassez de recursos para manutenção de serviços básicos, muitos deles ainda lidam com as consequências das chuvas de verão que inundaram cidades e deixaram comunidades sem água no interior. “Para o Pimentel, um processo a mais, um a menos não fazia diferença”, afirma um prefeito da Zona da Mata mineira, lembrando as mais de 700 ações judiciais que a AMM impetrou contra a gestão petista para receber os repasses. “Pensávamos que Zema seria diferente. Mas ele começou agindo da mesma maneira que a velha política.”

O desgaste se acentuou a ponto de prefeitos cogitarem um pedido de impeachment de Zema e mais de 100 prefeituras anunciarem o adiamento das aulas para depois do Carnaval, já que boa parte dos recursos retidos pelo Estado se refere a verbas do Fundeb, destinadas à educação. Para evitar uma rebelião ainda maior, o governador alinhavou uma trégua se comprometendo a regularizar os repasses em fevereiro e agilizar o parcelamento dos 11,6 bilhões relativos à antiga gestão, fora 1 bilhão acumulado por sua administração em janeiro. “Nosso Estado está falido, sem condições de honrar compromissos importantes, mas faremos tudo possível para ajudar as prefeituras”, afirmou o governador, que tem dado prioridade à quitação integral da dívida com Brumadinho, em torno de 20 milhões de reais, devido ao impacto econômico do desastre da Vale na cidade.

Latente também é a insatisfação dos mais de 600.000 servidores, que, assim como na gestão Pimentel, continuam tendo seus vencimentos parcelados. Somente na última semana de janeiro, Zema comunicou como quitaria o 13º salário de 2018, que não foi pago pelo governo petista. O parcelamento em 11 vezes irritou o funcionalismo público, principalmente após o governador ventilar um acordo para agilizar o pagamento de agentes da segurança. Parte da categoria tem protestado contra o escalonamento de salários. Uma manifestação de policiais civis em frente à Cidade Administrativa fechou a principal via de acesso da capital ao aeroporto de Confins, levando o Governo a cogitar a retomada de um expediente consagrado por Pimentel: quitar primeiro o salário dos servidores da segurança pública, visto por sindicatos de outras categorias como um favorecimento injustificado.

Olhos do Novo para Minas

Zema é o único integrante do Novo a ocupar um cargo Executivo no país. Não por acaso, o partido mobilizou todos os esforços para auxiliar a formação de seu Governo. O economista Gustavo Franco, estrela da corrente liberal de direta, capitaneou os trabalhos de reorganização das finanças mineiras. Para liderar a transição de Governo, a legenda destacou Mateus Simões, vereador em Belo Horizonte. Ele foi o primeiro político eleito pelo Novo em Minas e, aos 36 anos, é visto como um referencial pelas práticas adotadas em seu mandato. Segundo sua prestação de contas, o vereador já economizou mais de 2 milhões de reais dos cofres públicos abrindo mão de cota parlamentar, assessores, motoristas, carro oficial e ajuda de custo.

“A economia política pode representar um efeito em escala de bilhões no Orçamento”, diz Simões ao explicar por que as medidas de austeridade incorporadas à rotina de Zema não são mero afago ao eleitorado descrente com o que chamam de “a velha política”. O Governador abriu mão de receber salário —promete doá-lo a instituições de caridade— e de morar no Palácio das Mangabeiras, além de ter colocado a leilão um dos aviões que pertencem ao Governo. Cortando o que entende se tratar de mordomias, a nova gestão pretende economizar pelo menos 50 milhões de reais por ano.

Mas a aposta para tirar o Estado do buraco, escavado por dívidas de aproximadamente 100 bilhões de reais, é a adesão ao Plano de Recuperação Fiscal que está sendo negociado com o Governo federal. A tarefa compete ao secretário de Fazenda, Gustavo Barbosa, que, entre 2016 e 2018, ajudou a fechar um acordo semelhante para o Rio de Janeiro. Atualmente, 77% da receita estadual estão empenhados no pagamento de servidores, 17% acima do permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Se quiser ganhar um prazo de três anos para começar a quitar o débito com a União, o Estado terá de cumprir contrapartidas severas, como limitar gastos públicos e privatizar estatais, que incluem a Copasa (companhia de saneamento) e Cemig (companhia de energia). Sacrifícios que não dependem só do Governo, mas do convencimento de deputados para aprovar leis e emendas que garantam as contrapartidas. “Estamos comprometidos com a redução da máquina pública”, afirmou Barbosa durante a apresentação da reforma administrativa. O primeiro projeto de lei enviado ao legislativo prevê a redução de 21 para 12 secretarias de Governo e uma economia de 1 bilhão de reais por ano.

No entanto, Zema esbarra em dilemas da “política real” antes mesmo dos embates na Assembleia. Com a promessa de cortar 80% dos cargos comissionados e fazer com que indicações políticas deixem de ser uma regra, o governador tem tido dificuldade para aglutinar deputados em sua base aliada. O Novo elegeu apenas três parlamentares. Um deles, conhecido como Bartô, já criticou Zema publicamente por manter Germano Vieira na secretaria de Meio Ambiente, devido a suas ligações com o Governo anterior e o desgaste pela tragédia em Brumadinho, e cercar-se de assessores ligados aos ex-governadores Antonio Anastasia e Aécio Neves, como o tucano Custódio Mattos, secretário de Governo.

O partido se mantém irredutível na premissa de rechaçar a distribuição de cargos por recomendação de políticos, sobretudo no comando de estatais, mas o governador adota postura mais flexível para não comprometer o andamento de suas reformas. Impasse delicado para um gestor público de primeira viagem que precisa dosar o pragmatismo no desafio de instalar uma administração técnica e, ao mesmo tempo, operante do ponto de vista político. “Até o fim do ano, todos os cargos de segundo escalão serão ocupados por pessoas devidamente capacitadas, escolhidas em processo seletivo”, diz Mateus Simões, ponderando que, apesar da executiva do Novo ter voz no Governo desde a transição, o partido não impõe nomes à administração.

Por outro lado, o fogo amigo já derrubou um homem de confiança em pasta estratégica. Duas semanas depois do vazamento de um áudio, gravado durante a campanha eleitoral, o secretário interino de Saúde, José Farah, acabou exonerado. Na gravação que circulou entre servidores, ele tecia críticas a Zema. “Não tem capacidade de distinguir ente privado do ente público.” Enquanto apara arestas em seus domínios, o Executivo estadual permanece afinado com Brasília, pelo menos no campo econômico. “Não há dúvida de que temos mais alinhamento com o Governo do Bolsonaro do que com Temer e o PT”, afirma Simões.

Para o vereador, a gestão Zema “não pode falhar, senão a política continuará sendo feita pelo povinho que frequenta as páginas policiais do noticiário”. Após o “choque de gestão” prometido nos Governos Aécio e Anastasia, que, no fim das contas, resultou em um rombo financeiro aprofundado por Pimentel, o partido que desbancou caciques em Minas promete um choque de verdade. Da macroeconomia ao controle de gastos em repartições e gabinetes, como explica Mateus Simões. “O Governo do Zema é, para o Novo, a grande oportunidade de mostrar às pessoas que é possível fazer diferente. E, aos políticos convencionais, que é preciso sair da fantasia para o mundo real.”

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