Boletim da Liberdade
O administrador e empresário Romeu Zema, ex-presidente do Conselho de Administração do grupo Zema, conquistou em 2018 um feito inédito para o Partido Novo. Elegendo-se como o primeiro governador de estado a alcançar seu posto pela legenda, que tinha João Amoêdo como presidenciável, ele sabia ter pela frente um grande desafio na gestão de Minas Gerais.
Em entrevista exclusiva para o Boletim da Liberdade, além de discutir as medidas adotadas para contenção da doença, Zema aborda a dinâmica do relacionamento com o Poder Legislativo ao longo de seu governo, a importância do liberalismo para o debate público brasileiro, o governo Jair Bolsonaro, as medidas de isolamento social e o seu futuro político em 2022.
Boletim da Liberdade: Governador, em seu discurso de posse, em janeiro de 2019, o senhor defendeu a importância de se ter “espírito público” como caminho para superar a grave situação financeira de Minas Gerais. O discurso também mencionava a escolha do eleitor por um “novo modelo de atividade política” e fazia um apelo aos deputados estaduais para que compreendessem esse novo momento. Em um balanço do seu período de governo, como o senhor acredita que as posturas e realizações da administração e a dinâmica da relação com o Legislativo estadual refletiram esses anseios?
Romeu Zema: Realmente espírito público é algo muito em falta, talvez mais no Brasil, mas também em outros países. As pessoas, de uma maneira geral, procuram o setor público para poder resolver o seu problema pessoal, que muitas vezes é financeiro. Estão em busca de uma solução individual e não de uma contribuição para a sociedade. Isso acaba fazendo do setor público um ente que não retorna para a sociedade serviços pelos quais ela paga caro. Desde o primeiro dia do nosso governo tenho mencionado que o Estado existe para servir à população, o pagador de impostos, e não para servir quem trabalha nele.
Não é uma mudança fácil, porque temos um processo longo em que o Estado foi de certa maneira privatizado por algumas corporações que hoje se julgam proprietárias dele. Mas temos mostrado que é possível, sim, fazer um governo totalmente transparente, sem corrupção, um governo que devolve mais para a sociedade que qualquer outro. Sobre a nossa relação com o Legislativo, eu diria que é média. Não é excelente e nem péssima. Mas o Legislativo está dentro desse contexto que falei.
Muitos lá ainda pensam no “o que eu ganho com isso” do que “o que é bom para Minas Gerais. Isso faz com que tudo fique mais difícil. Nós precisamos desse espírito de doação no setor público. Da mesma forma que muitas pessoas vão trabalhar em organizações sociais, em ONGs, até sem remuneração. O setor público precisa mais desse espírito de voluntário e não de mercenários. E infelizmente, muitas vezes esse é o tipo de pessoa que o procura.
Boletim da Liberdade: O ex-secretário de Desestatização do governo federal, Salim Mattar, um dos mais importantes apoiadores do movimento liberal brasileiro, foi nomeado consultor de projetos estratégicos da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico. Qual a importância dessa nomeação para o governo de Minas? Como o senhor enxerga o cenário atual do liberalismo como corrente de opinião no país e a nomeação ou ascensão de liberais a cargos relevantes?
Romeu Zema: A contratação do Salim é muito importante. Primeiro porque ele é um empresário de sucesso, que conhece muito bem a economia do Brasil, é mineiro, e teve experiência no governo federal. Com o seu conhecimento, a visão liberal que tem, ele vai poder somar muito com a nossa gestão. O liberalismo nunca foi uma linha de pensamento muito bem vista no Brasil. Culturalmente sempre acreditamos que o Estado é a solução para todos os males. E o liberalismo vai exatamente no sentido contrário. Considera o Estado um mal necessário.
Sabemos que é impossível uma vida sem Estado, mas ele deve ser eficiente. E isso não acontece no Brasil. Queremos o Estado, ele é importantíssimo, mas que seja enxuto, eficiente, e que devolva ao cidadão aquilo que ele paga com tanto sacrifício. Muitas vezes até tirando comida da própria mesa. Contudo, o liberalismo vem ganhando espaço nas últimas décadas em todo o mundo. Ficou muito claro que o ente Estado nunca foi e nunca será um bom gestor de empresas privadas.
Ele pode e deve entrar naquelas atividades onde o setor privado não consegue agir. Mas naquilo que o setor produtivo consegue fazer, o Estado deve evitar entrar, porque ele nunca vai ter a eficiência e agilidade do setor privado.
Boletim da Liberdade: “Discurso semelhante ao nosso, objetivo e dinâmico” e “simplicidade”; o senhor definiu com esses qualificativos, em novembro de 2018, o então presidente eleito Jair Bolsonaro. Hoje, o Partido Novo declara em suas diretrizes ser uma sigla de oposição ao governo federal. Suas impressões naquela época permanecem as mesmas hoje, já na segunda metade do governo Bolsonaro? Qual a sua percepção do posicionamento de seu partido a respeito?
Romeu Zema: Na eleição de 2018 realmente havia uma semelhança entre as nossas propostas para o Governo de Minas Gerais e as do candidato Jair Bolsonaro para a presidência da República. E agora, passados dois anos, é bom se fazer uma análise do que aconteceu nesse período. As privatizações, que eram bandeiras tanto em nível estadual quanto federal, têm acontecido numa velocidade aquém do que era previsto e esperado, muito devido à dificuldade da legislação, que é extremamente rigorosa e faz com que o processo seja muito lento. Mas aqui em Minas Gerais tem caminhado.
A Cemig, que é a nossa estatal de energia, já vendeu a Light e vai vender outras subsidiárias. Porém, é um processo que também enfrenta dificuldades dentro do próprio Legislativo. O Brasil, infelizmente, tem uma mentalidade estatista. Acha que empresas estatais fazem o bem para a sociedade. E nós sabemos que não é bem assim. Com relação ao governo federal, está claro que ele tem enfrentado dificuldades. A reforma da previdência aconteceu, poderia ter sido mais profunda, mas não deixa de ser um avanço. Vejo que tem sido aquela questão de fazer o que é possível. O que é muito longe de fazer o que é necessário. Mas antes fazer o possível do que nada.
Boletim da Liberdade: Em fevereiro de 2020, o Partido Novo emitiu uma nota expressando discordância da decisão de conceder aumento de mais de 40% de salário aos servidores da segurança pública em Minas Gerais, o que a sigla não via como compatível com a situação fiscal do estado. O senhor poderia fornecer a sua visão do que se passou à época?
Romeu Zema: Em fevereiro de 2020 realmente foi proposto um aumento salarial para as forças de segurança, devido a uma mudança de entendimento contábil do Tribunal de Contas do Estado. Até então o Tribunal acusava que a nossa despesa de pessoal estava muito acima do que a lei permite, o que impediria qualquer aumento. Mas, com a mudança de entendimento do Tribunal de Contas, nós nos enquadramos. Por outro lado, havia o compromisso com as forças de segurança de ter reajuste quando o Estado estivesse enquadrado.
Então fica claro, mais uma vez, que essas mudanças de critérios geram insegurança não só para o setor privado, como também para o gestor público. Todos nós estamos dentro desse contexto, de que mudanças inesperadas, muitas vezes sem nenhum fundamento legal, acabam ocasionando problemas como esse. As forças de segurança não tinham qualquer recomposição salarial há mais de cinco anos. Inclusive a recomposição ficou bem abaixo desses 40%. É lógico que todos aqueles que defendem austeridade, que é o meu caso, o caso do partido, condenam qualquer tipo de reajuste no momento em que o Estado passava e ainda passa por tanta dificuldade.
Boletim da Liberdade: Minas Geais vinha sendo um estado bastante elogiado pelo tratamento à grave questão da pandemia. Mais recentemente, mesmo assim, o senhor apontou problemas na velocidade de vacinação, intensificou as restrições ao deslocamento e às atividades no estado e reconheceu que houve uma subestimação federal à periculosidade do coronavírus. Em que pé estamos quanto a essa questão? Qual seria a postura correta diante dos dilemas suscitados entre os liberais sobre a tensão entre o problema sanitário e as liberdades individuais?
Romeu Zema: Minas Gerais hoje é o estado que tem a menor taxa de óbito por covid dentre todos os estados das regiões Sudeste e Sul. Mas mesmo assim temos dificuldades semelhantes a todos os demais estados do Brasil. Isso ficou muito claro agora, nos meses de fevereiro e março, quando o nosso sistema de saúde entrou em colapso.
Tínhamos duas opções: assistirmos uma grande quantidade de pessoas morrerem por falta de atendimento hospitalar, já que não havia mais disponibilidade de vagas nos hospitais, ou então tomarmos alguma medida mais dura de isolamento social, que foi o que fizemos. Vale lembrar que não estamos ferindo nenhuma liberdade individual. Sou de um partido liberal, acredito muito nisso. Que fique muito claro: o que fizemos foi uma medida temporária, regionalizada, para salvar vidas. Não foi uma opção. Foi uma imposição, uma necessidade humanitária, para que nós não assistíssemos cenas de horror na rua. Pessoas morrendo por falta de atendimento médico.
O governo federal, desde o início da pandemia, deveria ter centralizado as principais ações, protocolos, comunicações. Infelizmente isso não aconteceu. Acabou que cada estado e muitas vezes até cada prefeito teve que tomar a frente de uma situação para a qual não estava preparado. Até então ninguém havia vivenciado uma situação de pandemia. Isso, com toda certeza, gerou angústia e confusão na cabeça do brasileiro, que a cada momento que ligava a televisão ou o computador, via mensagens contraditórias. E acabou que o desempenho do Brasil ficou aquém do que poderia ter sido na condução da pandemia.
Boletim da Liberdade: Por fim, gostaríamos de uma apreciação sobre o futuro político do Brasil. Apesar de estarmos diante de um grande desafio no presente, o senhor poderia adiantar algo a respeito do papel que pretende desempenhar como homem público nas eleições de 2022? O PT de Lula, em sua opinião, ainda representa um risco real?
Romeu Zema: O meu foco, neste momento, está totalmente no combate à pandemia. Falar de eleição num momento como esse seria extremamente inadequado. Mas já deixei claro que em 2022 serei candidato à reeleição ao governo de Minas Gerais, muito em virtude de que percebi que em quatro anos, na velocidade em que o processo anda dentro do estado, você não consegue fazer tudo no ritmo que gostaria.
Então será necessário mais um mandato para conseguirmos deixar Minas Gerais numa boa situação, com as contas em dia e capacidade de investir. Com relação à eleição presidencial, não sou a pessoa adequada para dar prognósticos. Até porque não sou estudioso da política, não acompanho tanto. A gestão do Estado me demanda muito aqui. Preferiria que alguém que esteja mais a par, mais próximo desses acontecimentos, opinasse.
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