Mandatário de Rio das Ostras, Marcelino Borba (PV), sugeriu que judeus são gananciosos e só pensam em dinheiro durante discurso de posse; polícia apura se ele cometeu crime de injúria por preconceito
Rodrigo Castro | Época
O prefeito de Rio das Ostras, Marcelino Borba (PV), durante cerimônia de posse Foto: Divulgação Prefeitura de Rio das Ostras |
Rudnicki se refere a consultas via telemedicina nas quais orientou e tratou o casal há cerca de dois meses. Infectologista concursada, ela trabalha em um posto de saúde do município fluminense da Região dos Lagos. O atendimento ao prefeito, no entanto, se deu a distância, por meio de exame de imagens e controle de oximetria. Em março, o Conselho Federal de Medicina (CFM) autorizou modalidades da telemedicina em razão da pandemia.
"Quando ele adoeceu, me ligou. Sou judia, cuidei dele e não cobrei um tostão. Trabalho na saúde pública, mas cuidei dele como particular, não foi no posto de saúde. Faço telemedicina tranquilamente e tenho acompanhado muito caso de Covid. Agora vai dizer que judeu é ganancioso? Foi uma reação. Sou uma pessoa que reage", disse Rudnick.
Segundo a médica, ela chegou a ser convidada para ser secretária de saúde na gestão de Borba, quem conhece desde os tempos em que o atual prefeito era balconista de farmácia - profissão que incorporou em seu nome nas urnas como "Marcelino da Farmácia". A fala de Borba durante sua posse surpreendeu Rudnick, que classifica o prefeito como um "homem bom e simples".
"Eu o conheço há muitos anos, mas ele não pode falar esse tipo de coisa. Ele não é um homem ruim, é um homem bom. Não deve nem saber que existe antissemitismo. Ele é uma pessoa simples. Injúria racial talvez saiba; mas tenho a impressão de que ele nem sabia que existia comunidade judaica. Eu me senti um pouco obrigada a reagir em nome de tudo o que eu sou e sempre fui", afirmou a infectologista.
A carta, na qual ela diz que o pronunciamento lhe causou "espanto", foi encaminhada à esposa do prefeito. Em resposta, disse que Borba estava arrependido e com vergonha de entrar em contato com a médica. Em nota enviada ao portal UOL após reportagem de ÉPOCA, Borba pediu desculpas e reconheceu que usou "as palavras erradas ao se expressar naquele momento". Procurado via assessoria de imprensa, ele não respondeu até esta publicação.
O caso
A Polícia Civil do Rio apura se ele cometeu crime de injúria por preconceito qualificado. O tipo penal consta no artigo 20 da Lei 7716/89, que dispõe sobre crimes relacionados a discriminação. A pena prevista é de dois a cinco anos de reclusão. O inquérito ainda segue em andamento.
Em sua cerimônia de posse, ao atacar o serviço prestado por uma empresa de energia em Rio das Ostras, o prefeito ofendeu a comunidade judaica quando indicou que só pensavam em lucro a exemplo da companhia.
"Eles (a Enel) ficaram um mês para substituir um poste. E não trabalham de graça, não. São igual judeu. Trocamos lá na Cidade Praiana uns doze postes de madeira. Precisava do poste de madeira. 'Não, agora tem que vender. É R$ 450,00'. São pior do que judeu, assim! Os caras não liberam nada. Tudo pra eles, querem dinheiro. É uma covardia com a gente", disse Borba na ocasião.
A Confederação Israelita do Brasil (Conib) reagiu às declarações do prefeito e afirmou que iai avaliar possíveis medidas legais. Em nota, a entidade classificou o teor da fala como "preconceito abjeto usado ao longo dos séculos para perseguir judeus". Já o coletivo Judeus Pela Democracia disse que "são de generalizações mentirosas como essa que o ódio prospera" e que "é fundamental que o Estado cumpra a sua função, como entidade laica, de respeitar e proteger a todas as religiões".
Leia abaixo a carta na íntegra:
CARTA ABERTA ao Marcelino-cidadão.
Dirijo-me ao cidadão que conheço há quase trinta anos e não ao Prefeito de meu município.
Refeita do espanto que me causou o seu pronunciamento na cerimônia de posse, quero manifestar meu profundo repúdio pelas suas palavras antissemitas. Os termos “judeus gananciosos” foram exaustivamente utilizados por Adolf Hitler. Personagem genocida de tristes lembranças da história da humanidade.
Não sei se você sabe mas sou judia orgulhosa, assim como meus pais, avós, bisavós e assim por diante. Não me considero gananciosa. Cuidei de você e de sua esposa Adriana, ambos com covid, e não me lembro de ter cobrado.
Por falar na Adriana, pessoa que admiro e com quem mantenho relação muito amistosa, gostaria de lembrar que sua(dela) mãe, Dona Reuza, trabalhou por décadas como caseira para os meus tios Moysés e Sônia Berger. Também judeus. Acredito que esta estabilidade ajudou Dona Reuza a criar e educar muito bem seus três filhos.
Outros judeus contribuíram para o desenvolvimento intelectual e tecnológico da humanidade. Para citar rapidamente lembro de Albert Einstein, Sigmund Freud, Karl Marx, os irmãos Lumière, inventores do cinema, Steven Spielberg o grande diretor e uma lista interminável.
Gostaria de encerrar esta lista com os mais notórios judeus da história que foram: Jesus de Nazareth, Maria, José, João Pedro, Simão, Tiago e os demais apóstolos. Será que eles também eram judeus gananciosos?
Termino dizendo que você deve, como homem – cidadão, desculpas não a mim, mas sim a toda a humanidade que piora, empobrece, emburrece e se atrasa cada vez que alguma pessoa se manifesta de forma xenófoba, racista, homofóbica, preconceituosa e machista.
Sem mais,
Beatriz Rudnicki.
Um comentário:
Queira D'us abençoar a Dra. Beatriz Rudnicki e sua família, bem como toda a Rio das Pedras do bom siso!
Am Yisrael Chai.
Postar um comentário