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domingo, 29 de setembro de 2019

Governo de Minas recorre ao STF para garantir pagamento de precatórios

A dívida em todo o país chega hoje a mais de R$ 113,5 bilhões, dos quais R$ 7,3 bilhões - incluindo estado e municípios - são devidos em Minas Gerais


Isabella Souto | Estado de Minas

Em meio à falta de recursos em caixa e à expectativa de milhares de credores do poder público para receber um dinheiro já reconhecido judicialmente, o jogo de empurra dos estados envolvendo a novela dos precatórios agora envolve a União. A dívida em todo o país chega hoje a mais de R$ 113,5 bilhões, dos quais R$ 7,3 bilhões – incluindo estado e municípios – são devidos em Minas Gerais. Com um decreto de calamidade financeira em vigor desde 2015 e há três anos quitando o salário de servidores fora do quinto dia útil e em parcelas, o Palácio Tiradentes aguarda uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obrigue o governo federal a disponibilizar uma linha de crédito especial para quitar pelo menos parte da dívida de R$ 4,5 bilhões, cujo prazo dado pela Constituição Federal é curto: até dezembro de 2024.

Supremo: expectativa do governo mineiro está nas mãos de Cármen Lúcia, relatora da ação. Já Marco Aurélio Mello mandou a União liberar crédito para o Maranhão
Supremo: expectativa do governo mineiro está nas mãos de Cármen Lúcia, relatora da ação. Já Marco Aurélio Mello mandou a União liberar crédito para o Maranhão (foto: CARLOS MOURA/SCO/STF)

Para garantir a “ajuda” do Palácio do Planalto, que está prevista na Constituição, o governo de Minas ajuizou um mandado de segurança no STF em que pede a abertura de uma linha de crédito especial e específica até o valor de R$ 741.152.162,50 – montante que previa aplicar em precatórios em 2018, ano em que a ação foi protocolada no STF. Já que o dinheiro não saiu, a reportagem solicitou ao Tribunal de Justiça informações sobre quanto foi realmente pago em precatórios no ano passado, mas o órgão não divulgou o valor.

Na ação ajuizada em outubro, o governo mineiro comunicou os problemas de caixa e a necessidade de um aporte extra de R$ 31 bilhões para colocar as finanças em dia – daí a impossibilidade de quitar os precatórios conforme determina a legislação. E ainda reclamou que o Tribunal de Justiça de Minas teria aberto um procedimento para bloquear R$ 758 milhões nos cofres do estado, referentes a débitos calculados entre 2016 e 2018 – o que acabou não acontecendo.

“O ato abusivo da União em não disponibilizar a linha de crédito para Minas Gerais tem trazido prejuízo a Minas Gerais, que não consegue honrar seus compromissos inerentes ao pagamento dos seus precatórios”, diz trecho do processo. “Como pode observar Vossa Excelência, todos os entes federais possuem o direito líquido e certo à obtenção de empréstimo, através de uma linha de crédito especial, com juros subsidiados, para pagamento de seus respectivos precatórios”, continua a ação, que está conclusa com a relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, desde 2 de julho.

O Executivo mineiro citou também que havia cumprido todas as determinações legais para pleitear o financiamento: os deputados estaduais aprovaram a Lei 23.079/18, que estabeleceu as suas regras e o limite de R$ 2 bilhões para a operação financeira, e a edição do Decreto 47.470/18, assinado pelo então governador Fernando Pimentel (PT), determinando que todos os recursos seriam depositados, de imediato, em conta especial do Tribunal de Justiça para o pagamento dos precatórios.

INTERPRETAÇÕES DIVERGENTES

A grande discussão jurídica gira em torno de interpretações dentro do que diz o artigo da Constituição. A União entende que a linha de crédito deve ser usada apenas para pagar uma dívida que estados e municípios eventualmente não conseguirem quitar até o final de 2024. Mas governadores querem garantir a operação de imediato. Bahia e Goiás já tiveram pedidos negados, enquanto apenas o Maranhão conseguiu vitória na Justiça: em julho, o ministro do STF Marco Aurélio Mello determinou à União que abra imediatamente uma linha de crédito em torno de R$ 623,5 milhões para que o governador Flávio Dino (PCdoB) pague parte do R$ 1,46 bilhão devido em precatórios. A União já recorreu.

Em e-mail enviado ao Estado de Minas, a Advocacia-Geral do Estado (AGE) afirmou que a decisão favorável a um caso idêntico de Minas “nos anima”. De acordo com o texto, o estado tem mantido “permanente interlocução com a União” em torno do assunto. Segundo uma fonte, a possibilidade dessas operações financeiras visando ao pagamento de precatórios estaria no meio das negociações com o governo federal envolvendo a compensação pelas perdas causadas pela Lei Kandir. Ainda de acordo com a AGE, o valor pedido varia a partir de previsão de quitação a cada ano. Para 2018, por exemplo, foi em torno de R$ 740 milhões. Com uma decisão favorável, o plano é ajuizar novas ações para operações nos anos seguintes.

A nota diz ainda que o governo está comprometido com as normas constitucionais e, mesmo com as dificuldades financeiras, prevê quitação dos precatórios até dezembro de 2024. “Minas vem cumprindo seu compromisso de pagamento dos precatórios, homologado pelo TJMG”, diz. A previsão para este ano é pagar R$ 750 milhões, dos quais já foram honrados até agora R$ 380 milhões, de acordo com informação do TJ. Na quinta-feira, o Diário do Judiciário publicou um edital para acordos judiciais. O documento prevê a destinação de R$ 189 milhões para quitar precatórios com deságio entre 25% e 40%.

ENTENDA A NOVELA

>> Precatórios são formalizações de requisições de pagamento de determinada quantia por beneficiário, devida pela Fazenda Pública, decorrente de condenação judicial definitiva. Há quase 20 anos, alterações na Constituição Federal tentam sanar o problema da falta de dinheiro para os precatórios devidos por estados e municípios. A dívida hoje chega a R$ 113,5 bilhões – dos quais R$ 7,3 bilhões referem-se a Minas Gerais.

>> Em 2000, a Emenda Constitucional 30 autorizou o parcelamento dos valores devidos em 10 anos.

>> Nove anos depois, a EC 62 instituiu um regime especial de pagamento, alterando a forma, o prazo e a ordem cronológica de pagamento. Também trouxe a compensação entre precatórios e créditos da Fazenda Pública, cessão de crédito inscrito em precatório e compra de imóveis públicos por meio de precatórios.

>> Ao julgar uma ação envolvendo a EC 62, em 2013, o Supremo Tribunal Federal a declarou parcialmente inconstitucional, pois dava um longo prazo para pagamento, sem limite temporal definido.

>> Em 2016, é promulgada a EC 94, que obrigou estados a destinarem parte de suas receitas correntes líquidas para o pagamento de precatórios e obrigações de pequeno valor (RPVs). E deu o prazo até 31 de dezembro de 2020 para quitar todos os precatórios vencidos até 25 de março de 2015.

>> No ano seguinte, a EC 99 estendeu de 2020 para 2024 o prazo para quitação dos precatórios dentro do regime especial, na forma prevista na emenda aprovada em 2016.

>> A mesma emenda prevê que, em até seis meses – prazo que venceu em novembro de 2018 – a União deveria disponibilizar uma linha de crédito especial para o pagamento de precatórios. A regra ainda não foi cumprida, o que levou vários estados a recorrer ao STF.

PRECATÓRIOS EM NÚMEROS

R$ 113,5 bilhões
Dívida em todo o país, com pessoas físicas e jurídicas

R$ 71,3 bilhões
Montante devido pelos estados

R$ 42,4 bilhões
Precatórios dos municípios

R$ 4,5 bilhões
Dívida do governo mineiro

R$ 2,8 bilhões
Valor devido pelas prefeituras

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